quinta-feira, 17 de novembro de 2016

17 de novembro de 2016

Eu sei que não tá fácil. Sei que não tá fácil encarar a vida adulta e todas as suas nuances. De repente parece que tudo é minucioso demais, ao mesmo tempo em que tá tão duro. A gente se prende aos detalhes e percebe que cada palavra mal colocada pode gerar uma turbulência que poderia engolir o mundo. Ensinaram que a gente precisa ser gentil, mas uma gentileza que não se deve confundir com ingenuidade. Também precisamos omitir sentimentos, sermos fortes, otimistas, encararmos a vida de frente, sermos bem sucedidos, casar, ter filhos....
Eu sei que não tá fácil viver essa constante batalha entre a emoção e a razão. Um dia, disseram que era preciso separar e ponderar as coisas. Criaram dualidades e uma fenda se abriu dentro da gente. Desde então, a balança estabeleceu pesos e medidas para as coisas. Coisas que são fluidas e que perpassam a nossa existência. Não sei quando racionalizar ou quando sentir. O que sei é que sinto e penso e sinto pensando e penso sentindo. 
Eu sei que não tá fácil lidar com os próprios sentimentos. Nessa loucura insana de lacunas que se abrem a todo instante, os nossos ocos parecem não se preencher. E passamos a vida tentando preencher os vazios com os vazios dos outros. Um poço fitando o céu, como já diria Fernando Pessoa, em um de seus heterônimos que minha péssima memória não permite recordar. Um dia alguém disse que era preciso esconder, fazer charme, criar expectativas... E eis que acreditamos, perpetuamos e seguimos nessa insanidade de afastar quem se quer perto, quando um olhar e uma xícara de café poderiam aquecer a alma. 
Eu sei que não tá fácil lidar com essa carência que torna qualquer migalha um grande prêmio. Uma carência metralhada por todas as feridas que carrego dentro de mim e que foram cutucadas até a carne sangrar. As suas palavras rudes, as suas atitudes infantis, a sua imposição sobre quem sou, o seu abuso para tentar me dizer quem eu deveria ser.
Eu sei que não tá fácil lidar com o fardo de ser mulher. De todos os dias ver e ouvir relatos que tentam tornar os meus cromossomos uma grande maldição. Os olhares incisivos, a completa falta de respeito, o machismo travestido de desconstrução, as piadas de mal gosto. Hoje liguei a TV e vi uma mulher apanhar como se fosse vazia. Corta. A imagem seguinte mostra o agressor, que esboça um sorriso de canto e sabe da impunidade que lhe dá abrigo e lhe preenche. 
Eu sei que não tá fácil lidar com a frustração de que seus planos, que na realidade nunca foram seus, não estão concretizados apesar da sua idade. Um dia disseram que os 30 anos era a idade do sucesso, mas me pergunto diariamente se vou conseguir vencer hoje. Só hoje. Um breve instante de realização de alguma coisa que me complemente e que não tenha a sombra de um cifrão na frente.
Eu sei que não tá fácil olhar em volta e se sentir sozinha às vezes. Estar rodeada e ainda assim não conseguir abrir o coração. Ainda assim não conseguir sair para um passeio noturno enquanto se disserta sobre a vida, os amores, os clichês... Tudo parece sempre à espreita, esperando o momento de atacar.
Eu sei que não tá fácil carregar um coração que pulsa pela insistência e pela teimosia. Quando a vontade é entregar os pontos e jogar a toalha, o pobre coitado ainda pulsa. É como estar no olho de um furacão e ver a vida passando numa tela de cinema repleta de ar e poeira. A poeira dos destroços que já fui, com a potência de um ar que me deixa zonza.
Eu sei que não tá fácil lidar com tudo isso. Eu sei que não tá fácil olhar em volta e não encontrar um caminho. Eu sei que não tá fácil não dar conta do que se passa dentro do meu próprio universo particular, quiçá do universo que nem se imagina... Queria mesmo é dizer que tudo isso vai passar, mas essa é uma das tantas outras incertezas que possuo. O que posso dizer é que continuaremos resistindo, porque cada uma dessas cicatrizes mostram a você (e a mim mesma) a guerreira que sou.