sábado, 20 de setembro de 2008


Desisto de toda e qualquer tentativa em fazer desse blog algo para os outros. Ele é a minha sala de psicanálise e não se fala mais nisso. Quer conhecer o poço dos problemas? Seja bem vindo. Mas caso contrário, sinto muito. Eu preciso de algum canto onde eu possa ao menos deixar escorrer o excesso do que acontece. E eu estou puro excesso. Não sei ao certo o que sou, mas acho que vou assim, sendo, estando... Entendo que para uma estudante de jornalismo, esse blog foge muito às regras. Nada aqui é claro e objetivo. Mas eu não sou clara e objetiva. Continuo sendo, e cada dia mais, essa pequena criatura que cava um poço novo a cada dia. São palavras e pensamentos jogados aqui muito por questão de necessidade. Nem eu consigo compreendê-los. Mas a sensação é que jogá-los já tira parte do peso sobre as costas. Ao mesmo tempo é estranhíssimo que eu tenha a "coragem" de vir mostrar-me perante a comunidade cibernética. A hermética e os cibernéticos. Não consigo compreender quais os frutos desse casamento ainda. Acho que basicamente tudo gira em torno só da necessidade. Gatos pingados passam por aqui. Ninguém realmente preocupado em saber profundamente o que o lado de dentro tem guardado ou sentido. Dizem que o sucesso é solitário, mas a falta dele também é. Com o mínimo de bom senso a gente sabe que não pode ficar a todo instante reclamando da vida perante os que nos cercam. É um porre. É necessário fantasiar-se antes de sair de casa. Colocar as máscaras sociais que nos permitem a convivência. Nem sempre pacífica, mas ao menos possível. Atualmente, elas têm tido sorrisos amarelos, olhos não tão brilhantes, mas que conseguem disfarce próximo às luzes artificiais. Até que a noite insone comece, as máscaras devem ficar. São necessárias para qualquer contato, exceto entre mim e mim mesma. Na atual situação, sou obrigada a confessar os disfarces. Caso contrário, certamente teria que seguir a risca os planos de ir para a Conchinchina, tentar um retiro espiritual no topo do monte mais alto. Mas qual a garantia? Duvido da sua existência. Aliás, da existência de qualquer garantia. Tenho minhas dúvidas se o inferno realmente são os outros. O meu parece mais aqui, do lado de dentro, do que em qualquer parte do mundo. Não interessa se aqui ou acolá: de nós mesmos não dá para se desvincilhar. Pode ser que o lugar tenha o poder de aliviar ou agravar, assim como as companhias, mas não é o suficiente para resolver. Há coisas que só nós podemos fazer por nós mesmos. Por mais disposto que o outro esteja, por mais ajuda que o exterior propicie, quando atinge a alma, é conosco. Nós, nós mesmos, sem Irene. Aliás, em momentos assim, o medo de envolver-se com alguém é constante. Envolver-se de forma afetivo-sentimental, no caso específico. Num momento em que mal aguentamos com nós mesmos, apegar-se a outra pessoa e ter necessidades em relação a ela pode terminar num drama da vida real. O risco de não correspondência existe a todo e qualquer instante, em todo e qualquer começo, meio e fim de alguma coisa. Mas nesses períodos, melhor não arriscar. A alma não está inteira, provavelmente não aguentaria o baque. Receber um ''tchau'' no instante menos esperado... Não, o pobre coração não suportaria. Pararia de bater, desistiria de insistir, pediria demissão, alegando abuso do contratante. E de fato, seria pedir muito. Mas fazemos o que com a carência? Ok, desde já me assumo em estado de carência afetivo-emocional. E como cantarolava o sábio Zeca Baleiro, ''ando tão a flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar''. Assistir a comédias românticas, feito 'O diário de Brigite Jones'? Terminantemente proibido. Ninguém em sã consciência do estado em que se encontra poderia permitir algo dessa espécie. Atracada a um pote de sorvete, numa sexta-feira a noite, 5 quilos acima do peso e nenhum ombro amigo para chorar... O risco de suicídio chega próximo do limite. Então desligamos a televisão e vamos ler qualquer livro empoeirado da estante. Ou viemos aqui para o espaço cibernético, onde as relações se esboçam, com temperaturas abaixo de zero graus, e ficamos escrevendo sobre nossas tristezas e aflições, mesclando palavras entre lágrimas e papéis encharcados das mesmas. Acho que funciona mais ou menos assim. Se é que funciona...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Sempre me intrigou o ofício de torturador. Ele espuma de ódio de sua vítima, agride-a, cospe nela, dependura-a no pau-de-arara, aplica-lhe choques elétricos, enfia-a de cabeça para baixo na latrina, queima-a com cigarro aceso.
No fim do expediente, volta para casa, beija a mulher, afaga as crianças, passeia com o cachorro, faz suas preces e recosta a cabeça no travesseiro como quem sabe que "o homem mau dorme bem".
Um torturador levar à sua casa um sacerdote pareceu-se um capricho profissional, como o motorista passa com o caminhão novo da firma em frente à casa da namorada ou o piloto faz um vôo rasante no bairro em que mora.
Marcelo entrou naquela casa não na condição de preso, mas de presa. "Pudim" talvez tivesse o hábito de exibir à sua mulher e filhos as diferentes espécies de bandidos que passavam por suas mãos. Faltava um padre. E ali estava o sacerdote - aos olhos do policial, um terrorista que habilmente se encobria sob a afável aparência de um homem de Deus.
O que impressionou Marcelo foi ver "Pudim" no aconchego do lar: muito diferente daquele homem que, no quinto andar do DOPS, dependurava homens e mulheres no pau-de-arara e fazia a corrente elétrica obrigá-los aos esforços de uma dança macabra. Agora era o pai dedicado, cercado por seus filhos, e o esposo afável, como um açougueiro que, em família, já nem se recorda que passou o dia abatendo animais, abrindo vísceras, retalhando postas e sujando as mãos de sangue.
Se uma pessoa querida vai para a mesa de cirurgia, ficamos em sobressalto. A equipe médica, porém, abre o crânio, corta o peito, manipula o coração ou os intestinos do paciente com a mesma tranqüilidade com que os funcionários do Instituto de Medicina Legal lidam com cadáveres destroçados num acidente aéreo ou sufocados pela lama de um desabamento.
Suponho que o convívio diário com certas situações acabe por embotar-nos a sensibilidade. Aos poucos, a dor alheia soa como um ranger de porta, o horror vira rotina, a morte do próximo é vista como uma página virada. É a banalização da tragédia. Para suportá-la, procuramos revesti-la de comédia.
A TV nos submete ininterruptamente a um aluvião de acidentes, assassinatos, guerras, hordas famintas e esquálidas agarradas aos ossos ressaltados de seus filhos de corpo exíguo e cabeça dilatada. Nada disso tira o nosso sono nem provoca a nossa indignação. Aos poucos, vamos admitindo que essa é a normalidade, talvez um erro humanamente justificável, como as bombas atiradas sobre crianças e idosos na guerra. Apenas um nó de tristeza por ver o mundo tão injusto e cruel.
A TV domestica-nos para bem conviver com a tragédia, carnavalizando situações aberrantes e exibindo, no palco, deformações de corpo e espírito, como se fossem meras atrações de interesse público. Torna-se rotina ver a face que desabona os políticos: as diatribes do ministro, a corrupção do deputado, as fanfarronices do senador, a mentira do prefeito, a demagogia do governador, o cinismo do presidente.
Assim, aos nossos olhos, molda-se a impressão de que a política é suja, todos os políticos são malandros e o processo eleitoral, uma farsa. Desiludidos, recolhemo-nos à nossa vida privada, indiferentes à esfera política, onde é decidida - para pior ou melhor - a vida de milhões de pessoas, do preço do ônibus ao acesso ao emprego.
Tudo se banaliza, a ponto de ocorrer uma inversão em nosso enfoque: danem-se os direitos coletivos, as causas sociais, os valores e os ideais O que importa é o chicote da mascarada, a privacidade do ator de telenovela, a filha da rainha dos baixinhos, o féretro da princesa que enterra a nossa ilusão de que a vida, para nobres e ricos, é sempre bela e feliz.
Nas ruas, tropeçamos em mendigos e cruzamos com crianças abandonadas. São moscas na comida. Importam menos que uma dor de dente. Sorte nossa que ''não somos como eles''. Preferimos acreditar que a desigualdade social é como o inverno e o verão: para uns, as agruras do frio; para outros, o conforto do calor.
Conta a parábola que certo monge retornava a seu mosteiro. Cruzou no caminho com uma criança maltrapilha, abatida pela fome e pelo frio. Na igreja, vociferou contra Deus, que permite sofrimentos tão injustos. ''Por que o Senhor nada faz por aquela criança?'' De repente, um clarão. Deus mostrou a sua face luminosa e disse a ele: "Eu já fiz: você!''
Frei Betto
em ''Batismo de Sangue''

domingo, 14 de setembro de 2008

A lenda alenta?

A pergunta que fica é o que estamos fazendo com as nossas relações? Qual caminho tem tomado a nossa dialética entre interno e externo, entre o mundo e nós mesmos? Para ser sincera, exito alguns momentos antes de dizer que há dialética. Parece que muitas coisas estão sendo empurradas goela abaixo, sem que haja preocupações em refletir e ponderar seja lá o que fôr. Por um momento não há mais troca. São apenas imposições, ação e reação em sentido único, sem permeabilidade. Tudo tem ganho um caráter superficial, epidérmico. Os olhares são inconstantes, os abraços querem cada vez mais rápido se desvincilharem, os beijos não têm mais intimidade, não revelam quase nada exceto desejo físico. A quantidade prevalecendo sobre a qualidade. Os instintos dominando qualquer tentativa de reflexão. Basta atrair para si e ter hormônios. Não é preciso cérebro nem coração. Os sentimentos encruaram. Cada vez mais possuem menos espaço. As pessoas não mais ficam juntas por conseqüência. A lei da atração física é a grande causa. Não é mais necessário que haja laços, afeto, relações estreitas. Ninguém quer se ''amarrar''. A liberdade dos sentimentos tomou outras proporções. Estar com todos ao mesmo tempo e continuar sozinho. Todos são de todos e ninguém é de ninguém. Viva o amor democrático. Mas será que essa celebração está sendo bem feita? Banalizar ou democratizar? Um hiato entre ambas as atitudes. Vivemos na era do fast food. Tudo vem semi-pronto. Basta aquecer através de microondas pelo tempo máximo de 5 minutos. Tudo. Na nova era, conhecer o outro por 5 minutos já é tempo suficiente para escancarar a alma, a boca e as pernas. Nada foi feito para durar mais. Os bens duráveis estão em extinção. O descartável ganha espaço a cada dia. Tratamos tudo como se fosse produtos na prateleira. Em promoção. Estamos saindo da época do ''ficar'' para a fase do ''pegar''. Somos objetos de consumo, diversão simples e facilitada. Prozac não resolve mais. Tratamos a tristeza como algo a ser evitado. Sem nos darmos conta do quanto ela é essencial. A felicidade causa inércia. E sem pensar, vamos brincando de Second Life, criamos protótipos dos nossos sonhos, daquilo que desejaríamos ser. E nos relacionamos assim... Através dos nossos protótipos virtuais amamos, nos apaixonamos, brigamos e assim vamos ''vivendo''. Nossa Matrix está mais forte do que nunca. Entregamos tudo o que tínhamos de pessoal e próximo para bonequinhos genéricos, nos quais colocamos algumas de nossas mais atraentes caractéristicas físicas, que abraçam feito urso, dão tapa na bunda e entregam flores para os seus amigos virtuais. Estamos nos aprisionando sem saber. O interpessoal deu lugar à internet. São cabos e fios que se relacionam por nós. Os olhos e a boca perderam seu espaço para os dedos. Aquilo que não pode ser dito pelas palavras, que exige outras formas de expressão, simplesmente passou a não ser mais exprimido. Ficou o dito pelo não dito. E nisso tudo há um dilema. As nossas gerações estão crescendo nesse meio e não vêem horizontes diferentes por simplesmente não conhecerem. Domingos no parque são programas caretas. Tudo pode ser resolvido via MSN. Até mesmo namoros... Chegamos ao ponto de saber como a pessoa lá do outro lado está somente pela forma como ela escreve naquela caixinha branca. Amizades que surgem através da mesma caixinha. De repente você se vê amigo de alguém que jamais conheceu pessoalmente. E a sensação é tão estranha... Você parece conhecê-lo há milênios, mas só faz alguns meses. O turbilhão de sentimentos confusos. É certo, é errado? Ceder às vontades ou conter os instintos? Ter o direito de se arriscar ou o dever de ser bem sucedido? Eu não acho que há regras. Ser humano só tem graça por ser único. Apenas espero que o amor não vire lenda, feito cabeça de bacalhau e outras coisas mais.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Ser ou não ser?


Novamente, depois de já algum tempo, o antigo pensamento volta à tona. As surpresas acontecem justamente por não esperarmos que tais situações floresçam novamente. O medo, por sua vez, retorna por justamente não estarmos sempre com a alma preparada para tais exigências que a vida pode trazer. Beleza é sempre um assunto difícil. De fino trato e bom tato. Mais um daqueles conceitos subjetivos que, mesmo sem termos consciência, carrega consigo uma leva de experiências pessoais, influenciando a todo momento o que você acha ou não belo. Aliás, arrisco em dizer que a beleza é algo indissociável de nós mesmos. Sempre acabamos por buscar a beleza nas coisas mais ínfimas. Unindo o útil ao ''agradável'', sabendo que a beleza está nos olhos de quem vê, buscando parâmetros nas figuras apaziguadoras aos olhos...
Até uma certa idade nos preocupamos muito com terceiros. Na verdade, para alguns, essa idade jamais acaba. Mas não é uma preocupação qualquer. É a preocupação de sermos aceitos esteticamente pelo coletivo. É claro que não dá para agradar a todos, mas sendo a maioria, ótimo! Na escola sempre elegemos algumas ''princesas''. As donas dos cabelos mais lindos e bem tratados, do sorriso mais branco e retinho, das unhas mais bem feitas e coloridas com o esmalte da moda, e assim por diante. Tudo aquilo que as denominadas ''modelos'' possuem, elas chegam bem perto. E geralmente divide-se assim: princesas, vassalas e o resto. E é geralmente também nessa divisão que nascem os primeiros traumas estéticos. Se a menininha está 220 gramas acima do peso ideal, medido geralmente por cálculos dos índices de massa corpórea (IMC) vindos na revista Capricho, ela provavelmente já entrou para o time das vassalas. Vai ser obrigada a lavar pratos enquanto a princesa, trajando o vestido mais bonito da festa, agarra o príncipe no baile de formatura. E não importa o quanto a +220gramas seja bacana ou inteligente: a primeira impressão é a que fica. Parece a maldição da beleza. Estética e inteligência formam quase uma dicotomia, daquelas bem maniqueístas. Porém, essa divisão gera controvérsias. Afinal, o que é melhor: ser princesa acéfala ou vassala genial? A imagem que temos quando falamos de uma nerd é quase sempre alguém bem gordinha, com um óculos bem grosso, cabelos desgrenhados, cheios de pontas duplas, unhas roídas e muitos traumas de infância. O problema é que ninguém se atenta a isso até aquela certa idade. A menininha chora todos os dias e ninguém entende. Ninguém lembra que ela é dotada de sentimentos. As pessoas teimam em vê-la como alguém fora dos padrões e ponto. Mas quem fez os padrões? Talvez uma sociedade que vive colocando em patamares mais altos aquilo que pouquíssimos conseguem. Afinal, quantas mulheres no mundo são como as capas de revista? Fica claro que a parcela mais ínfima dela, principalmente quando percebemos que são sempre as mesmas estampadas na capa do mês. E são sempre as mesmas em todos os sentidos. Conversando com um amigo-senior, comentávamos a respeito de revistas de nudez. As femininas mais especificamente. E ele confessou não saber mais diferenciar quais eram aquelas já vistas da última recém lançada. As mulheres aderiram à produção em série. Na verdade, à modificação em série. Afinal, não há cirurgia, seringas e dinheiro que não transforme todas em frangos de padaria. Cintura fina, coxas grossas, sem cabeça, um bronze de Ipanema, iguais, enfileiradas, rodando e rebolando, e inalcançável para qualquer um que não tenha, no mínimo, uma condição abastada. E como conseqüência direta da separação entre beleza e cérebro, somos quase obrigados a escolher um dos lados. Ou nos obrigam a escolhê-lo. Quantas e quantas menininhas bonitas não foram empurradas por suas famílias para qualquer programa de auditório, teste de novela, comercial de fralda, etc? Quantas delas não crescem acreditando fielmente que a beleza pode ser a chave de infinitas portas na vida? Desenvolver o intelecto? Para que? Esquecendo que a beleza estética é apenas um estado de corpo. Está longe de ser eterna. Não vai durar todos os anos de sua vida. A lei da gravidade existe, a flacidez também, assim como tantas outras coisas que o tempo há de mostrar. É possível conciliar beleza e intelectual? Somos obrigados a confessar o preconceito também. Quando uma mulher bonita, daquelas bem bonitas, se mostra inteligente (ou tenta), logo arrumamos algum jeito de impôr a dualidade: OU bonita, OU inteligente. As duas coisas em um só ser parece que não dá.
Mesmo estando a anos-luz de qualquer capa de revista, sempre temi essa disputa. A hipótese de ser lembrada como a menina dos peitos assim ou das pernas assado sempre assustou. Onde ficarão minhas idéias? Em meio as partes do corpo, elas terão espaço? Alguém vai lembrar do que eu falei ou estará muito ocupado me imaginando nua em algum canto da casa? Ok, hipocrisia dizer que beleza não é importante. Mas está longe de ser essencial. Vinícius de Moraes provavelmente está se revirando na cova a uma hora dessas, mas paciência. Estipulemos então outro tipo de beleza. A dos olhos sem plástica, com os contornos do tempo, que fazem lembrar tudo aquilo que já viram; a das mãos cobertas das marcas, que só a idade é capaz de trazer; a da boca sem preenchimentos, capazes de dizer aquilo que o cérebro muito bem talhado é capaz de pensar e criar. Parece clichê, mas há sim uma forma de conciliar beleza e intelecto: que a beleza externa seja mera conseqüência do que acontece aqui, do lado de dentro.

Mordomia X Movimento


Mais uma vez a minha mente insone clama por ocupação. Não adianta mais prolongar o desconforto do corpo na cama. Não é o lugar dele agora. E então é aqui que dedos, mente e corpo vêm descarregar aquilo que já não mais suportam sozinhos.
Particularmente hoje o assunto não é dos mais subjetivos. Creio até que é o mais universal que as linhas deste blog já conseguiram dizer. Trata-se das contradições. São infinitas. Se pararmos para analisar, tudo no mundo é feito ''em par''. Para o amor, há o ódio; para o claro, há o escuro; para o dia, há a noite e assim sucessivamente. Não entraremos aqui nas questões mais profundas sobre essa concepção de pares opostos. Cairemos no âmbito de diferenciar oposição e diferença e assim fugiríamos muito da nossa discussão primeira. Ou não?
Levando em consideração o mais comum, teria infinitas contradições para me ocupar. Mas uma me ocupa em especial: movimento X mordomia. Explico. Desde que entrei para a Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", vulgo Unesp, me iniciei na política estudantil. Há sim fortes críticas quanto ao movimento dos estudantes. Também tenho as minhas em relação a ele e a tantos outros movimentos, mas que no momento não vem ao caso. O fato é: me interesso por isso. Depois de ter passado um tempo muito descrente em relação a muitas coisas, o último fio de esperança brotou e dele surgiram algumas outras novas perspectivas. Calma, o que surgiu não foi uma visão utópica e cor-de-rosa do mundo. Ainda acredito que há muita coisa errada e difícil de ser refeita. As estruturas estão muito bem calcadas, inclusive no nosso (in)consciente coletivo. E mudar tudo isso de forma rápida e eficiente está um tanto quanto longe. Mas mesmo sabendo de todos esses "detalhes", e principalmente por isso, dá vontade de fazer alguma coisa, para que pelo menos algumas coisas possam mudar.
Agora o outro lado. Devo dizer, e talvez confessar, que tenho uma situação financeira relativamente boa. Com perrengues como toda boa família. Aperta conta daqui, corta despesa acolá e assim vamos indo. E ai chegamos a um dos pontos chave. Pós-permissão para conduzir veículos da classe B, ou seja, carros, passei a andar por ai com um carro bom. Na verdade, bem bom. Um daqueles que tem vidro elétrico, trava elétrica, alarme, direção hidráulica e afins. E desde então tenho ouvido a seguinte frase, principalmente no âmbito familiar, em qualquer momento do dia que seja propício: ''Participa do movimento estudantil mas anda de carro, com ar condicionado ligado e tudo! Ai ai ai..." Isso caiu feito bomba. Um sentimento de culpa a cada partida do motor era inevitável. Será que eu não posso participar do movimento estudantil porque tenho ''confortos capitalistas''?
Realmente ainda não sei responder com firmeza a essas frases. Mas uma primeira reflexão me fez ver alguma saída no fim do túnel. Sim, eu acho que as duas coisas são conciliáveis. Explico. Hoje em dia é impossível não cedermos a algumas coisas. Por exemplo, o dinheiro. Vivemos numa sociedade capitalista e para quase tudo nessa sociedade é preciso que tenhamos aquele papel ou metal. É assim para comer, dormir, ir e vir. Hipocrisia a minha dizer que não consumo. Ou que então só consumo produtos e serviços nacionais. Vivemos na época das multi e transnacionais. As empresas estão em todos os cantos e nem de qual nacionalidade elas são nós sabemos mais. Tentarmos dar uma de Policarpo Quaresma pode resultar em um triste fim. E qual é a nossa opção? Não nos deixar predominar por aquilo que não concordamos. Tornar-se refém do que o dinheiro pode comprar é terrível. Viver para isso apenas é como enterrar qualquer esperança de mudança. Por que é errado ter um carro bom? Muito suor escorreu para que ele pudesse estar lá na garagem. E não acho isso de todo errado. Isso se as atitudes não colocarem os preços e aquisições em primeiro plano. Se mesmo que você tenha o carro do ano, com todos os atributos que ele possa ter, por que não poder fazer algo por quem precisa? Por que não poder aderir a atitudes que possam melhorar a vida do outro? Há tantas pessoas que estão em condições mais difíceis e nem por isso se dispõem a tentar mudar alguma coisa. Há carência de mudança e quem queira mudar. Como diria Raimundo Fagner, ''a juventude está correndo arás de trio elétrico''. Querer correr atrás de outros ideais, mesmo que de carro, é tão errado assim?
Fica a pergunta, ainda que sem resposta.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008


Mais uma vez o ciclo tem início. O movimento de oscilações parece eterno. Períodos acima, períodos abaixo, momentos neutros. Assim resumiria ser o ciclo. Um estudo de ondas. Se antigamente a freqüência era maior, hoje ela tornou-se mais suave. Mas não menos profunda. Pelo contrário, o período de duração é maior, com mergulhos mais profundos, nas feridas mais doídas. Alguns motivos permanecem. São aqueles companheiros inseparáveis, que só mudam de ''nome e endereço''. Na verdade só mudam de objeto talvez, já que o sujeito que sente, aqui, do lado de cá, continua sendo o mesmo. Ou teria mudado tanto assim? Tenho confusão quanto a isso. De repente parece que os parâmetros desapareceram. Os limites continuam, mas não tenho mais certeza se por hábito ou imposição. Talvez um seja conseqüência natural do outro. Uma imposição torna-se hábito, verdade, padrão. E como é difícil libertar-se disso. É necessário desprendimento e coragem para o risco. Há olhos espreitando nossas atitudes. Olhos que julgam, que ameaçam, que perseguem e punem. Punem de modo aparentemente sutil, disfarçado em meio a afetos, cuidados e interrupções. A rédea deve ser curta, os olhos devem estar fixos, os ouvidos devem ouvir apenas o que convém. Mas convém a quem? Por um lado você deve crescer, mas por outro de que forma crescer? Libertando-se ou perpantuando o já existente? Transformando ou prolongando as regras do jogo? E de quem são as regras? Quem as criou? Ir contra elas significa estar correndo risco? Será preciso todos esses olhares julgando a quebra do protocolo? Buscar novos caminhos é realmente tão grave quanto você justifica ser? O risco existe. A maior loucura da vida é nascer. A maior loucura da vida é viver. E somos diretamente responsáveis por essa loucura. Consciente ou inconscientemente, o compromisso é nosso. Mesmo que não haja controle sobre a vida, nós respondemos por ela. Teoricamente ela é nossa. Tudo isso sem querer atribuir qualquer caráter místico ou divino. O ponto chave é ter consciência do emaranhado em que vivermos. Nossa vida não é um fio solitário. Faz parte de uma rede da qual não é possível escapar. Somos nela concebidos e provavelmente o que seremos dali em diante será também seu fruto. E daí o medo. Quais são os frutos que estão sendo formados? Serão eles doces ou azedos? Serão eles saudáveis ou venenosos? Terão a oportunidade de mudar ou somente continuarão o ciclo? Somos marionetes nas mãos da vida ou o contrário? Será tudo uma questão de tempo? Será que possuímos o luxo do tempo?

É tempo de perguntas sem respostas. Tempo em que a alma está exposta e não há outro caminho a não ser continuar. Depois de um tempo a gente aprende que não dá mais para voltar atrás. O compromisso não permite. Encararmos nós mesmos, com feridas ou sorrisos. E que haja vida o suficiente.