segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Desabamento sétimo

É um lugar estranho. Por mais que minha memória racional saiba e reconheça quem são todos eles, a memória afetiva encontra um pouco de dificuldade. Fica tentando encontrar formas de aquecer o coração e lembrar de cada um deles. Parecem fantasmas deslizando pela casa, desde os corredores e salas amplas até os cantos repletos de detalhes. Nenhum ambiente os enquadra e faz disso um quadro que mexa bem lá no fundo, como tenho a impressão que um dia fez. Mal se falam, pouco se olham, muito correm. E o problema (ou não) é que o desejo de correr permanece como algo que não é condenável, mas necessário. Como ter mergulhado no mar de lama e ter necessidade de sentir o ar entrando pelos pulmões. Desejo um lugar para voltar e me sentir sempre uma parte dele. Não uma parte que se perde, uma parte desnecessária, mas uma das peças que, JUNTO das outras, sejam sempre imprescindíveis para fazerem do todo aquilo que a gente costuma chamar de "lar doce lar".

domingo, 23 de agosto de 2009

Desabamento sexto

aspas DEPOIS NOS FALAMOS aspas
reticências e os parênteses. (ocos)


Um dia eu aprendo ou troco o disco.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Desabamento quinto

Pulsações. Li tal palavra enquanto buscava personagens para contar vidas. Delinear quem é, o que pensa, criar enredo, histórias e um desfecho que cause satisfação. Tudo isso perdeu o sentido ao me deparar com "pulsações". Um livro que nasce da necessidade de extravasar, para aguentar a carga da vida. É preciso criar maneiras de aliviar o peso antes de padecer. Escrever talvez seja uma delas. Exige menos do que ouvidos atentos, conselhos, divãs, milagres... Eu e a matéria-prima: palavras. Não pede que façam sentido à humanidade, mas são essenciais para a minha própria humanidade, aquela que vive em mim. Vive ou sobrevive. Depois de algum tempo passamos a não dar tanta importância às opiniões alheias por um motivo único: jamais agradaríamos todas. Mas aceito um desafio maior: agradar a minha própria opinião. Por mais simples que pareça, a mim beira a maior das dificuldades. Inconstante, inconsistente, incoerente. Sou feita e desfeita cem vezes em um segundo. Gostaria de perdurar, mas acho que perderia o fluxo. E perder o fluxo certamente seria morrer vendo a vida passar, eu parada, inerte, enquanto o mundo corre, voa, salta.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Desabamento quarto

Queria ficar livre de tudo, de todos, das coisas mais insignificantes às mais monstruosas. Dizer adeus e partir para o desconhecido. Não o desconhecido de si mesma, além das fronteiras que o mapa mostrava ou dos horizontes que os olhos já viram. Queria o desconhecido de todos, aquele que o ser humano enquanto vivo pensa, imagina, discute, filosofa... mas que apenas conhece depois que se entrega. De corpo e alma, literalmente.

Desabamento terceiro

Olhou atentamente para o semáforo e por alguns instantes apenas existia a cor vermelha. Gritante, viva, contrastava com as nuvens cinzas ao fundo. As cores andavam meio apagadas desde aquele dia, e até o céu resolvera chorar incessantemente desde então. Ouvia vozes maldizendo o tempo ruim, que tornava as coisas mais difíceis, as roupas molhadas e o frio ainda maior. Mas era tão natural o derramar do céu. Se todos nós temos fraquezas e nos permitimos chorar, por que ele não? Era seu maior cúmplice naqueles dias que se arrastavam desastrados, levando mesmo que sem querer tantas coisas ao chão, até mesmo as lágrimas. Foi interrompida pelas buzinas.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Desabamento segundo

Já não sabia mais o que fazer com tantos dias. Cada instante que passava trazia mais incerteza se aquele problema teria ou não solução. Sentia apenas que o ar estava ficando pesado, causando falta de ar e apertos no peito, ora de tristeza, ora de raiva. Queria ter coragem para despejar todas as palavras amargas que guardava na garganta, mas a dor seria imensa para eles. E assim sendo, todo o alívio causado pelo vômito não seria maior do que o gosto ruim na boca. Sem saber o que fazer, subiu no telhado de casa e dormiu sob os cuidados da lua.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Desabamento primeiro

De fato, há heranças que não vêm através de papéis ou documentos. São fincadas na alma e têm dúvidas se um dia serão esquecidas.