Era apenas uma menina, que nasceu assim, sem mais nem menos. Sem pensar muito no porque e de onde veio, simplesmente veio. Já estava aqui e esse era o fato primordial, senão o mais importante. Agora era simplesmente correr atrás do prejuízo. Foi expulsa do confortável mundo que habitava. Lá não lhe faltava comida, nem água, nem horários de sono. Até um bate-papo rolava de vez em quando, acompanhado de carinhos vindos das mais diversas mãos. Lá ela sentia-se importante e protegida. Aquele pequeno mundo era seu enorme mundo. Nele existia tudo o que de mais grandioso ela já havia conhecido. Até que, ainda sem saber porque, acabou. Quando percebeu algo estranho estava acontecendo. De seus olhos escorriam um líquido salgado, enquanto que pela sua boca e nariz passava uma nova sensação, algo que era como combustível para que seu choro pudesse ecoar. Aquilo era ar. Um sentimento diferente tomou conta da pequena garotinha. Sentia-se trabalhando para que pudesse sobreviver. Não mais bastava o que havia feito naquele espaço tranquilo que um dia habitou. Era preciso sobreviver em meio a toda aquela infinidade de novas coisas. Era tudo muito corrido. Alguém virou-a de ponta cabeça, esperou que chorasse, logo cortaram-lhe o que durante 9 meses fora seu, limparam, enxugaram, embalaram. Mas por mais cuidados que recebesse, faltava-lhe algo. Algo que ela não sabia explicar. Simplesmente algo que foi perdido. Ficou entre o velho e o novo mundo, o conforto e o desconforto, o sossego e a luta diária. A pequena garota ainda estava muito longe de saber o que lhe aguardava. Estava muito longe de imaginar a falta de limites do mundo aqui fora. Muito longe de imaginar quais seriam os seus limites. As palavras do mundo para ela mudaram de tom, as cores ganharam tons, as formas passaram a existir, com nome e sobrenome. Tudo era muito novo e em muitos momentos o que lhe restou foi aperfeiçoar a primeira das armas que lhe permitiram ter: chorar. Ainda não entendia muito bem porque chorava. Era um misto de desconforto, medo, fome, cólica, desamparo. Chorava porque ali não se sentia acolhida. A sua arredoma perdeu o líquido que a fazia viver. Era como se houvessem tirado o encanto de algo que lhe era essencial. O encanto foi embora e a solidez implacável mostrou-se perante os sentimentos e sentidos. Seus gestos que agiam passaram a reagir contra ela. Ela conheceu, ainda que sem nome, o que são conseqüências. E depois de muito tempo aprendeu que conseqüências não vêm sozinhas, mas em cadeia. Uma espécie de efeito dominó. A primeira desencadeia a próxima, e a próxima, e a próxima, até que a conseqüência final bate à porta. As mesmas sensações daquele primeiro dia, onde tudo é novidade, retornam. Ela tem a novidade nua e crua esperando logo ali. Basta girar a maçaneta e pisar para o lado de lá. O desamparo, o medo, o desconforto... A menina, que já não é mais tão menina, sente tudo isso novamente. E dessa vez, o caminho que o ar percorre é o contrário. Ele não mais enche seus pulmões para a vida, mas retira pouco a pouco a vida de seus pulmões. E vagarosamente, como dando tempo para que ela possa rememorar todo o jogo de dominó que se sucedera até aquele instante, ela cede. Dá o suspiro final, devolve todo o ar que o mundo lhe emprestou e parte rumo ao outro lado. Não há como saber se haverá ar, pulmões, cores ou dominós. É esperar a nossa vez de jogar...
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Nossa
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