segunda-feira, 15 de junho de 2009

Retiro Espiritual


Vontade imensa de arrumar as mochilas mais leves e andar. Andar para longe, onde o vento sopre macio, como quem acaricia. Conhecer pessoas novas, sentir saudades das companhias antigas, encontrar novos lugares, respirar ares menos pesados, cortar os fios da banda larga e estreitar os laços de afeto. Acender uma fogueira onde não haja energia elétrica, cantarolar e dançar até que o cansaço tome o corpo ainda quente da euforia, ver o sol nascer e senti-lo tão perto. Desanuviar a cabeça e deixar os pensamentos fluírem livremente, sem censura, simplesmente puros. Voltar a ver as cores e não mais apenas os tons pastéis do cinza. Asfalto opressor, areia aconchegante. Sem prédios que ultrapassem dois andares, com janelas espaçosas, capazes de expor todo o horizonte que há adiante. No quintal, um cachorro serelepe e algumas roupas no varal. Cheiro de café fresco exalando da cozinha para todos os cômodos da casa. De manhã, aquela preguiça gostosa e permitida, inerente a todo dia que nasce além das montanhas. Logo ali o rio, o mar, a cachoeira... Respirar a natureza, exalar tranquilidade pelos poros. Dormir nos ombros, acordar nos pés, procurar os braços e o carinho. Ai, chega logo!


foto: http://bravonline.abril.com.br/conteudo/multimidia/invasao-russa-467205.shtml

UNIVERSO LÚDICO
Promenade, de Marc Chagall (1887-1985), representa o pintor e sua mulher, Bella. Fugindo do regime russo, ele foi para Paris. Sofreu novas influências, mas nunca abandonou as reminiscências da infância

sexta-feira, 5 de junho de 2009

DO CÃO


Quando ouviu a mãe abrir a porta do quarto com certa violência, soube que havia perdido a hora e que seu dia já começaria não muito bem. O mau humor estava estampado no rosto dela e agora era aguentar as consequências. Decidiu nem tomar café da manhã no intuito de não dar espaço para que a matriarca começasse a esbravejar logo nos primeiros 10 minutos de sua manhã, já quase hora do almoço. Arrumou a cama correndo, trocou de roupa e sentiu a pele toda arrepiada. Naquela semana, o frio foi companhia constante e fizera doer mais que o comum. Não conseguiu aquele calor necessário e congelou. Perdida em distrações, voltou à realidade fria daquele dia frio ao ouvir o barulho do aspirador de pó percorrendo os cômodos da casa. Dedicou-se a fazer o almoço, envolta em pensamentos que insistiam em pulsar, aquecendo-se minimamente em frente ao fogo azul. Almoçaram todos, mas não houve como fugir das palavras pesadas que martelariam durante o resto do dia. A comida entalou na garganta e só o que desabrochou foram lágrimas. Rolavam pelo rosto enquanto fazia o que ela tinha pedido. E rolaram mais ainda ao perceber que o pedido feito a ele não fora cumprido e que para ela isso não tinha problema. Tentar afastar o sentimento de raiva parecia impossível, otimizado pelos hormônios do mês que faziam tudo ficar à flor da pele. Precisava daquele outro ele, que durante o dia todo havia confortado minimamente na promessa de que mais tarde estaria lá para fazer o dia terminar mais suave do que começou. Mas esse definitivamente não era seu dia. Sentiu o golpe que fez arder, apertar o peito, deixar sem fôlego. As lágrimas não puderam ser contidas mais uma vez. Largou tudo como estava, quem sabe para amanhã, quem sabe com mais sorte. Agora era hora de encerrar o dia, não sem antes perguntar aos céus e todos os santos: "Onde foi parar a sensibilidade?"