quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Fim

O fim estava próximo e ela sentia seus primeiros indícios. O dia morno que de repente via-se entrecortado pelo vento gélido. O sol que esquentava sua pele perdia-se em meio as nuvens já cinzas. As canetas, instrumentos dos mais úteis para suas necessidades, perderam a capacidade do traço. Os livros terminaram e suas histórias chegaram ao fim. Os papéis ganharam o tom amarelado, tom de tempo que passou. Os bolsos esvaziaram-se. A mochila carrega apenas lembranças dos lugares pelos quais passou. O colchão esconde as noites mal dormidas, as marcas dos corpos que ali estiveram, o suor que ali deixaram e as palavras sussurradas no silêncio. A pilha do relógio acabou e o tempo está parado. O lençol acordou frio, sem o calor dos que ali não estiveram dessa vez. Os filmes repetem-se incansavelmente, sempre com o mesmo fim e, quem sabe, o mesmo intuito. Os móveis estão repletos de pó. Na televisão, sempre as mesmas bobagens e fórmulas. As flores no quintal foram trocadas pelo plástico, que nunca morre, nem exige cuidados. As cartas deixaram de ser esperadas ao portão, mas chegam diante de uma tela de plasma. O sofá não recebe mais visitas. O chão sente falta dos pés descalços. O barulho das panelas deu lugar ao apito do microondas. Os remédios ganharam tarjas. Realização traz logo em seguida o profissional. O destino ganhou tantos outros donos que não ela mesma. Nos porta-retratos não há mais fotos. Os álbuns de família já não existem mais. O corpo já não treme mais de emoção, mas de frio. As mãos já estão doloridas e ressecadas pelo tempo. A pele perdeu o toque suave. Os músculos se retorcem e pedem arrego. Os pés lutam para sustentarem o corpo, latejando de dor. Os olhos só desejam se fechar. O coração pulsa com o desespero de quem tenta sobreviver. A saudade apertou tanto que a respiração nunca mais foi a mesma. Hoje os pulmões se enchem com cuidado, o peito não mais estufa, o corpo não mais se expande. A saudade apertou tanto que uma lágrima rolou e não deu para aguentar. Acabou.

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