Mais uma vez a minha mente insone clama por ocupação. Não adianta mais prolongar o desconforto do corpo na cama. Não é o lugar dele agora. E então é aqui que dedos, mente e corpo vêm descarregar aquilo que já não mais suportam sozinhos.
Particularmente hoje o assunto não é dos mais subjetivos. Creio até que é o mais universal que as linhas deste blog já conseguiram dizer. Trata-se das contradições. São infinitas. Se pararmos para analisar, tudo no mundo é feito ''em par''. Para o amor, há o ódio; para o claro, há o escuro; para o dia, há a noite e assim sucessivamente. Não entraremos aqui nas questões mais profundas sobre essa concepção de pares opostos. Cairemos no âmbito de diferenciar oposição e diferença e assim fugiríamos muito da nossa discussão primeira. Ou não?
Levando em consideração o mais comum, teria infinitas contradições para me ocupar. Mas uma me ocupa em especial: movimento X mordomia. Explico. Desde que entrei para a Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", vulgo Unesp, me iniciei na política estudantil. Há sim fortes críticas quanto ao movimento dos estudantes. Também tenho as minhas em relação a ele e a tantos outros movimentos, mas que no momento não vem ao caso. O fato é: me interesso por isso. Depois de ter passado um tempo muito descrente em relação a muitas coisas, o último fio de esperança brotou e dele surgiram algumas outras novas perspectivas. Calma, o que surgiu não foi uma visão utópica e cor-de-rosa do mundo. Ainda acredito que há muita coisa errada e difícil de ser refeita. As estruturas estão muito bem calcadas, inclusive no nosso (in)consciente coletivo. E mudar tudo isso de forma rápida e eficiente está um tanto quanto longe. Mas mesmo sabendo de todos esses "detalhes", e principalmente por isso, dá vontade de fazer alguma coisa, para que pelo menos algumas coisas possam mudar.
Agora o outro lado. Devo dizer, e talvez confessar, que tenho uma situação financeira relativamente boa. Com perrengues como toda boa família. Aperta conta daqui, corta despesa acolá e assim vamos indo. E ai chegamos a um dos pontos chave. Pós-permissão para conduzir veículos da classe B, ou seja, carros, passei a andar por ai com um carro bom. Na verdade, bem bom. Um daqueles que tem vidro elétrico, trava elétrica, alarme, direção hidráulica e afins. E desde então tenho ouvido a seguinte frase, principalmente no âmbito familiar, em qualquer momento do dia que seja propício: ''Participa do movimento estudantil mas anda de carro, com ar condicionado ligado e tudo! Ai ai ai..." Isso caiu feito bomba. Um sentimento de culpa a cada partida do motor era inevitável. Será que eu não posso participar do movimento estudantil porque tenho ''confortos capitalistas''?
Realmente ainda não sei responder com firmeza a essas frases. Mas uma primeira reflexão me fez ver alguma saída no fim do túnel. Sim, eu acho que as duas coisas são conciliáveis. Explico. Hoje em dia é impossível não cedermos a algumas coisas. Por exemplo, o dinheiro. Vivemos numa sociedade capitalista e para quase tudo nessa sociedade é preciso que tenhamos aquele papel ou metal. É assim para comer, dormir, ir e vir. Hipocrisia a minha dizer que não consumo. Ou que então só consumo produtos e serviços nacionais. Vivemos na época das multi e transnacionais. As empresas estão em todos os cantos e nem de qual nacionalidade elas são nós sabemos mais. Tentarmos dar uma de Policarpo Quaresma pode resultar em um triste fim. E qual é a nossa opção? Não nos deixar predominar por aquilo que não concordamos. Tornar-se refém do que o dinheiro pode comprar é terrível. Viver para isso apenas é como enterrar qualquer esperança de mudança. Por que é errado ter um carro bom? Muito suor escorreu para que ele pudesse estar lá na garagem. E não acho isso de todo errado. Isso se as atitudes não colocarem os preços e aquisições em primeiro plano. Se mesmo que você tenha o carro do ano, com todos os atributos que ele possa ter, por que não poder fazer algo por quem precisa? Por que não poder aderir a atitudes que possam melhorar a vida do outro? Há tantas pessoas que estão em condições mais difíceis e nem por isso se dispõem a tentar mudar alguma coisa. Há carência de mudança e quem queira mudar. Como diria Raimundo Fagner, ''a juventude está correndo arás de trio elétrico''. Querer correr atrás de outros ideais, mesmo que de carro, é tão errado assim?
Fica a pergunta, ainda que sem resposta.
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