domingo, 16 de novembro de 2008

Monocromático


Não sabia ver o lado bom da vida. As coisas tinham quase sempre o tom acinzentado. Era como se sempre chegasse atrasada. Tudo já havia sido quando ela se aproximava. Vivia das sombras do que um dia foi, correndo sempre atrás de vultos que possivelmente pudessem levá-la a conhecer outras tonalidades. Não é possível dizer que havia esperança nessa corrida. Corria simplesmente por hábito. Um dia ensinaram que era preciso ser feliz e, como de costume, acatou a ordem. Buscava a felicidade como algo desconhecido. Não sabia o que era, como era, porque era. Mal tinha a capacidade de imaginar. Sua mente não conseguia ir muito longe, estava sempre amarrada. Era como se corresse atrás do próprio rabo, sem nunca conseguir alcançá-lo. O lado colorido da vida era engolido pela escuridão. Os vitrais eram sem cor. O tom mais próximo do nada encobria a tentativa das cores se manifestarem. Os olhos da pobre menina apenas conheciam o preto no branco. Sua vida era um enorme contraste, principalmente quando junta com as demais. Era como um fundo para as outras, que sempre estavam por cima da sua, fazendo dela o plano mais longe de ser visto. Em meio as outras cores os seus tons ficavam invisíveis. Amarelos, vermelhos, azuis e uma infinidade de outras cores saltavam aos olhos de quem estivesse ali, enquanto o branco e o preto desapareciam, com marcas imperceptíveis a olhos desatentos. Mas o mundo anda mesmo desatento, e ela sabe disso. Não só sabe como sente. Olhares que mal se cruzam, mal se fixam, mal se trocam. Aos poucos a velocidade aumenta sem que se perceba mais. Corre, voa, salta. Na velocidade da luz tudo fica mais difícil de ser sentido, degustado, apreciado e digerido. A felicidade da pobre menina saltava nos dias de chuva, quando a luz refletia os pingos d'água e ela podia chegar mais próxima ao brilho. Seus olhos eram opacos, mas a pobre encantava-se com os pontos luminosos que despencavam do céu. Porém, passado esse momento de êxtase, ela continua correndo atrás dos vultos. Corre até que o corpo peça arrego. Então desaba em um canto qualquer, se refaz como pode, fecha os olhos para a vida como quem morre e quando volta a si recomeça de onde parou. Mas não importa onde pare nem de onde continue, o lado bom da vida jamais mostra sua face a quem não sabe enxergá-lo. Não chega avisando de si mesmo. É discreto, disfarçado, quase sempre rodeado por aquilo que afasta os mais desavisados. A pobre menina está presa no labirinto, correndo, esgotando suas energias. Logo mais será hora de desabar novamente e, mais uma vez, começar tudo de novo.

Um comentário:

Vitor Moraes disse...

de tropeços é feito a vida.