terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Pingo pingado

"Sofre com avareza. Também deve ser avara em relação a seus prazeres. Pergunto-me se algumas vezes não deseja se libertar dessa dor monótona, desses resmungos que começam tão logo pára de cantar, se não deseja sofrer muito de uma vez por todas, se afogar no desespero. Mas, de qualquer maneira, não poderia fazê-lo: está atada."

Jean-Paul Sartre, A Náusea

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sessão da Tarde

Era uma tarde atípica de verão. Em pleno mês de fevereiro, lá estava ela deitada no sofá, com aquela tal coberta de lã já tão cheia de histórias que sua mãe um dia lhe deu. Fazia um frio confortável, daquele que implora por um bom colo, um balde de pipoca e dois pares de meia.
Estava tudo caminhando muito fluido quando leu nas legendas do filme que passava na tv o que ocuparia sua mente por dias seguidos. Falava sobre a morte. E há tanto tempo não pensava sobre ela. Apenas conservara o medo. Era daquelas que acreditava ter muitas coisas para fazer ainda, que era cedo demais para partir, mesmo repleta de sensações paradoxais entre cansar da vida e desejá-la incansavelmente. O nome do filme era algo parecido com "O meu último desejo". Por si só já anunciava o que estaria por vir. Mas bastou algumas três frases para que toda aquela gama de pensamentos sobre morrer e estar vivo aflorasse novamente. Uma personagem dizia que a morte fazia parte da bagagem da vida e que já nascemos com tal bagagem, mas era uma pena que nos afastássemos tanto dessa idéia, ou insistimos em afastá-la de nós, pois assim a morte torna-se algo rodeado de medos e angústias, além de surpreender a todos por ser ''tão de repente". Era claro que a tal é tão natural!
E morrer pareceu óbvio novamente. É como precisar comer, dormir, insistir que o coração bata e o pulmão se encha de ar. Com a diferença que, teoricamente, morrer só se faz uma vez. Teoricamente para os mais céticos, mas ela já não tinha muitas esperanças quanto a isso. Vivia no limiar entre a crença e a indiferença. "Se houver algo além, ótimo. Caso contrário, bom também". E apesar disso, era alguém amedrontada pela morte. Carregava sempre o medo de que o instante seguinte não viesse, com a mania insistente de sempre pensar no adiante, um pouquinho que fosse. Parecia englobar passado, presente e futuro, alternando qual deles era prioridade de acordo com suas tais ''luas''. Talvez temesse a morte por não saber lidar com perdas. Teve algumas pelo caminho, como todo ser humano que um dia acreditou ter algo. Despedir-se era sempre difícil. Fosse para dizer ''até a próxima'' a amigos que não seguiriam o mesmo caminho, fosse para dizer ''adeus'' a quem nunca mais poderia abraçar. Triste não-aprendizado. Sofria muito por isso. Cada ''olá'' trazia a lembrança de que o ''adeus'' viria, cedo ou tarde. E talvez o pior erro fosse não usar tal lembrança para aproveitar, mas lastimar-se pelo tempo tão curto e fugidio.
E qual seria seu último desejo? Pensou vários e não chegou a muitas conclusões. Sabia que ele não seria material. Talvez quisesse não o último, mas mais um dia junto de todas as pessoas que certamente são importantíssimas. Com certeza viajaria muito, mas terminaria seus dias em paz. Não é isso o que dizem? Que descansemos em paz? Pois é. Talvez comece um consórcio de viagens por ai. Nunca se sabe o dia de dizer adeus.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Chuva e lágrimas


Reza a lenda que a chuva deixa as pessoas mais tristes, sensíveis talvez. Quem sabe com ânsia de compartilhar o aspecto molhado, lágrimas caindo incessantemente até que o cansaço chegue. É sentir-se esvair em líquido salgado que escorre pelo rosto sem saber ao certo onde terminará. Talvez encontre a boca, talvez encontre a folha de papel no qual aquelas confissões todas estão sendo feitas. Talvez não encontre ninguém e morra solitária, como aquela que a fez cair.
Ouve os pingos batendo na calha. Lembra-se de seu coração, tão metálico. Após tantas lágrimas, hoje é apenas um pobre enferrujado. Não sente mais batidas, exceto as do líquido que após bater, escorre. O choro é como ácido que corrói o órgão já tão debilitado. Não adianta mais chorar. Mas é um hábito difícil de se desvincilhar. Vai assim, consumindo, pois não descobriu viver de outro jeito. Dor é algo que faz parte do cotidiano como o sol e a lua. Não lembra de ter um dia aprendido a sonhar. A realidade sempre vinha na frente. Abria alas e fechava as portas. A existência era demais, o excesso. Sobrava vida. Para que tanta? Prolongava. Em torpor, ía deixando escorrer, como a água da chuva. Em torpor, como as lágrimas que ainda insistem em cair. Agora. Ouça! (...)


foto: Vitor Moraes (www.flickr.com/vitormoraes)

Sem aplausos


Era a rainha do drama. Sua vida era constantemente uma encenação, repleta de alegrias e tristezas programadas. Tudo era exagerado, mas nada espontâneo. Explodia a qualquer momento, diante de qualquer desculpa. Fosse o estopim ínfimo ou grandioso, deveria ser apenas quando ela quisesse. Às vezes com platéia, conhecidos ou não; outras vezes, somente ele e ela. Até mesmo sozinha não cansava de encenar. Era um hábito do qual não se desvincilhava. No guarda roupa, uma infinidade de máscaras e adereços. Jamais estava de cara limpa. Para comprar pão uma, para ir à festa outra. Preparava-se para os eventos de sua vida. Queria prevê-los todos e assim escolher as vestes que melhor combinavam com a ocasião. As pessoas ao redor ficavam confusas. Não sabiam exatamente se aquela ali, diante deles, era a mesma pessoa que outrora também estivera. "Era tão amável..." O verbo era sempre conjugado em tempo passado. Ela jamais ''é'' alguma coisa, não consegue manter-se constante. Foi milhares, mas nunca plenamente. Assim como as atrizes e seus diversos trabalhos, quando o fim chega é preciso dizer adeus às personagens que um dia foram. Uma parte dela sempre ía embora a cada despedida. Talvez já não houvesse mais nada dela nela. Suas máscaras, suas vestes e suas fantasias sugaram para si o que a pertencia. Eram mais humanas do que a pequena atriz. Não havia mais emoção. Aquele sentimento que vinha lá do fundo do peito, transbordava como um prisioneiro que revê a liberdade, não.. isso não havia mais. Todos os sentimentos eram adestrados e catalogados. Como era fria! E hoje, cada vez mais. Talvez no dia em que todos deveriam chorar sua partida, hão de receber o roteiro da peça que se encerra. Mas não haverá aplausos. E fim!


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Lixo, sem nenhum luxo


A rotina iniciava-se novamente. Era assim: acordava cedo, depois de uma madrugada cheia de pensamentos em turbilhão e escassa de sonos e sonhos, esforçava-se para abrir os olhos, rumava para a cozinha, ingeria qualquer coisa que a mantesse de pé por mais algumas horas, tentava amenizar o mau-hálito com a tal pasta de dente recomendada pelo dentista e lá ía para o trabalho. Inesperadamente, hoje a rotina mudou de cor. O céu estava escuro, anunciando chuva e tempestuosidades. Acendeu o cigarro e percebeu onde estava. Era o lixo. Em meio aos restos, tendo como companhia as moscas que se alimentavam do chorume e que, mais tarde, pousariam nela sem qualquer objeção. Ali, ela era o resto. Não sabia exatamente do que. Talvez de algo bom que cansou, talvez de algo ruim que desistiu. Não havia nome para o que sentia. Nem nojo, nem tristeza, muito menos felicidade. Apática, apenas observava. Encontrou semelhanças entre as moscas e ela mesma. Todas alimentavam-se do que sobrou. Quando os outros não mais queriam, era quando elas começavam a possuir. Nunca se importou com exclusividade mesmo. Muito menos prioridade. Será que em algum momento foi prioridade de algo, alguém ou alguma coisa? Não, não era nem de si mesma. Jamais esteve no primeiro plano. Era apenas figurante no espetáculo que a vida insistia em apresentar. Mas era tão cansativo olhar para os protagonistas de sempre. O sucesso deles é tão frágil. Eram atores que apenas buscam os finais felizes, sem imaginarem a grandiosidade que há em um triste fim. É, a tristeza faz parte da vida. Pena que poucos sabiam disso. Isso era apenas o que ela sabia. Não acreditava em mais nada com tamanha devoção. Era uma devota da tristeza. E afundava-se mais uma vez quando a mosca pousou no que havia restado do seu cigarro. Deu a última tragada e foi mais uma vez usufruir da limpeza que não era sua.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

As Paredes


Aquela música tocou novamente. E como reflexo instantâneo, você surgiu em minha mente na velocidade da luz. E como luz, iluminou. A mente expandiu ao mesmo tempo em que memorava. Planos e lembranças confudiram-se, entrelaçaram-se e meu sorriso se abriu. Em meio a todo aquele movimento, pessoas que mal se olham e tampouco sorriem umas às outras, era o meu sorriso que não conseguia se conter. De repente eu percebi o quanto você está em mim, mesmo estando tão distante. A lembrança do cafuné desengonçado que você fazia trouxe aquela sensação boa, de que o mundo não acabaria naquele instante. Caminhei um longo caminho como se o levasse ao meu lado, segurando pela mão e desejando chegar em casa, para que fôssemos eu, você e as poucas paredes. Teriam também elas lembranças? Imagino quem não as tem. É uma vida com pequenos inícios perdidos entre vários finais. Mas naquele momento eu não tinha fim. Meu corpo era apenas um pequeno pedaço de mim e mal cabia no mundo. Éramos infinitos. Perdia-se a noção do tempo, dias e noites seguiam-se sem que sentíssemos o passar, não havia fome, frio, sede... Havia apenas o que estava ali: eu, você e as poucas paredes. Quando a chuva começou a cair, percebi que havia errado o caminho. Mais uma vez. Suas gotas geladas fizeram com que as memórias se dissipassem e a realidade voltou. Você foi embora. Agora somos apenas eu e as poucas paredes. Geladas, mudas e cegas. Mas talvez o seu branco só reflita o que sou eu. E essa sou eu agora: parede. Olhei no relógio e já estava atrasada, sem saber exatamente para que. Corri, sem olhar para trás.
Parecia tão eterno. Mas era apenas terno.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Família

Aqui, com o coração apertado. Já não sei se é de medo, saudade, apego que sobra ou juízo que falta. É, se eu fosse uma pessoa racionalista, daquelas que coloca o cérebro em primeiro lugar, os sentimentos seriam contidos. Envergonhados, ficariam reclusos, sentindo-se culpados por existirem. Ufa! Que sorte ter me descoberto humana a tempo. A tempo de deixar todos os sentimentos provarem o doce sabor que a vida tem. São como filhos, que por mais amados que sejam, precisam saber como é o mundo. Os filhos e os sentimentos são para o mundo. É, talvez seja assim. Apenas sei que não consegui guardá-los. Meus filhos não serão privados da vida. Corram, descubram, caiam, levantem, riam, chorem... Mesmo sem saberem ao certo para onde ir, sabem para onde podem voltar. Meus caros, dessa vez parece tão óbvio. Sabem que o caminho é aquele, não sabem? Parece tão explícito. Escancarado, sem máscaras, hoje mostrei-me para você. Cortinas abriram-se antes que estivesse devidamente pronta para qualquer encenação. Nua, clara, simples. Assim é. Será que os olhos apertados viram? As luzes ofuscaram o que deveria ser nítido? Peço que desliguem. Chegue mais perto, por favor. Os detalhes serão percebidos pelos detalhes. Sinta... É o coração batendo mais forte. Ouça... a respiração perdeu o compasso. Veja... mas pode fechar os olhos. A luz agora é outra. Sem artificialidades, somos eu, você e nosso brilho. E você brilha tanto!
Acho que meus filhos encontraram um pai...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Boa sorte

A sua frustração me frusta. Lá no fundo, apesar do medo, há sentimentos doces. Pior do que ver as próprias frustrações, é ver aquelas de quem gostamos. Não, não é amor. Mas também não ficarei procurando nomes para as sensações. É assim, como é. Tenho idéia do que teoricamente deveria ser. Seria mais leve, mais confortável, mais conciliador. Mas não dá. Ou melhor, não deu. Não sei se foi a vida ou se fomos nós, mas alguém quis assim. Ou talvez alguém não quis. Aliás, quisemos e não quisemos muita coisa. Natural. O resultado disso é que não foi o esperado. Nossas vontades incompatíveis e nossos desejos fora de sintonia. Não negamos as vontades, nem os desejos. Apenas não eram agora. Apenas não são agora. Ficam suspensos por enquanto, ou quem sabe para sempre. Só o tempo e a vida dirão. Os porta-vozes das coisas que não são previsíveis. Esperemos. Mas, por enquanto, boa sorte.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Futuro


Causa uma sensação estranha. Impotência, eu diria. Vontade de ser o outro por alguns momentos, para livrá-lo de todo o mal, amém. Não, não é possível. Muito menos saudável. O outro também merece as situações que a vida dá. Melhor fornecer os ombros. Não apenas os ombros, mas as mãos, os olhos, o coração e o que puder. Sou sua. Quem sabe não é melhor que ser você?! Não por questões de inferioridade e grandeza. Não! A questão é outra. O ponto é outro. A chave é sermos eu e você separados. Mas não você aqui e eu lá. Somos eu e você separados, mas ambos aqui, ou quem sabe lá. Somos eu e você separados mas unidos por vontade própria. Ah que bom seria. Ah que bom há de ser. Ah...

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Sabe VONTADE?!

Então...