Queria arrancar-lhe as tripas, tragá-lo como um fumante que há dias não encontrava o consolo para seu vício. Você era meu vício, daqueles que estouram o peito a cada ausência. E você era tão ausente. No fim das contas, parecia que convivia mais com a sua imagem holográfica, através de um simulacro, convincente apenas para alguém como eu, que de tanta dor perdeu a noção da realidade. Engolia você sem digerir. Era fome de séculos que eu desejava saciar em milésimos de segundo. Lambia os dedos sem saber que os vestígios que você deixava em mim eram tão prejudiciais. Era como lamber veneno, mas com uma sensação de prazer sem igual e sem tamanho. Infinito. Expandida até o infinito, de onde não se pode mais ver o horizonte. Meu sol já havia se escondido em algum lugar por ai, a lua dessa vez não apareceu. Você era minha única fonte de luz. Luz que confundia e deixava meus olhos deslumbrados. Eu era uma jogadora defronte todas as luzes que as máquinas caça-níquel reluziam. Eu era a viciada em jogo, porém não apostava moedas, dinheiro, casas hipotecadas. Meu coração é que estava ali na mesa, em meio a fichas, baralhos, mãos que íam e vinham muito rapidamente. Pulsava com dificuldade, mas meus rivais não se importavam. Você era um deles, sentado àquela mesa e alternando os olhares entre mim e o órgão pulsante. Sua visão me penetrava tão profundamente, me confundindo, fazendo com que meu estado de delírio fosse cada vez mais intenso e que eu me perdesse cada vez mais de mim mesma, de você, do meu coração, do mundo ao qual eu ainda achava que pertencia. Mas o fio que me ligava a tudo isso se rompeu. Minha corda de segurança cedeu e eu era o lado mais fraco. Despenquei sem conseguir medir a altura do tombo. Sei apenas que demorei a sentir a dureza do chão moendo tudo o que havia restado em mim. Mas creio que não havia restado nada. Depois do baque, só consigo me lembrar de parecer estar sendo sugada por algo que eu não sei o que é. E de repente tudo ficou leve como nunca havia ficado antes. Acabou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário