sábado, 28 de março de 2009

Despercebida

Depois de sentir como se há séculos revirasse na cama sem conseguir dormir, levantou-se e foi em busca de oxigênio. O ar estava abafado e pesava sobre seus ombros. A cabeça latejava, num misto de cansaço e euforia. Sentia o coração bater forte, pesado, num ritmo lento como quem quase desiste. Foi até a cozinha e bebeu uma dose de qualquer coisa. O gosto amargo da bebida rasgou sua garganta e era como se suas entranhas queimassem. Na tentativa de melhora, cutucava as feridas. Enfiava-lhes as unhas, remexia na dor, sentia tudo à flor da pele. Seu corpo ardia numa violência incontrolável. Seu torpor era tanto que tremia até as extremidades. Comportava frio e calor ao mesmo tempo, sem saber nem ao certo o que sentir. O peso do ar a enjoava. Seu estômago revirava, dava pulos, queria escapar-lhe. Assim como parecia querer escapar-lhe tudo o que era seu. Ou fora um dia. Sentiu-se solitária como nunca havia sentido antes. Gritou e ouviu sua voz ecoar, sem resposta. As pessoas foram embora, não aguentaram o baque. Afinal, ninguém aguentaria alguém que não aguenta a si próprio. Era uma companhia obrigatória que machucava. Também queria livrar-se de si mesma, também queria partir para longe e deixar aquela vida tão machucada para trás. Tinha vontade de começar de novo, em outro lugar, mas parecia presa. Sem saber, prendeu a si mesma nos fios que um dia tentou tecer. Perdeu-se. E a ponta da meada nunca mais apareceu. Sentiu sua carne amolecer e ceder. Caiu com um barulho que com certeza ecoou pelos andares alheios. Será que alguém percebeu? Talvez nem soubessem que ali morava a tal. Despercebida. Acordou no dia seguinte sentindo o ar e sua cabeça ainda mais pesados, mas não ousou levantar-se. Ficou ali para sempre.

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