terça-feira, 30 de dezembro de 2008

É tudo nosso!

Era uma vez a história de duas bailarinas. Sem muitas explicações, a vida fez o favor de apresentá-las ao público e a si mesmas. Entre coques, meia calças e esparadrapos, as duas conheciam-se, despretenciosamente, como muita coisa nessa idade. Eram então muito novas para dimensionar as conseqüências que iria trazer o tal favor da vida, o que fica claro quando dizemos que ambas pertenciam à "turma das pequenas". Provas de roupas, exames com o temível professor João, alongamentos e macaquices na barra de exercícios, mães frenéticas carregando fantasias, bailarinas com anseios macrocósmicos ou jogadas ali de pára-quedas... E em meio a tudo isso, as duas. O convívio entre as bailarinas durou exatos 3 espetáculos. Depois de algum tempo, uma resolveu trocar a academia de dança por aulas de inglês e da outra nunca mais soube.
Alguns anos se passaram e a vida mais uma vez resolveu não mais deixar longe o que deveria estar perto. Por um feliz acaso, se é que ele existe, um tal site de relacionamentos fez com que as bailarinas, agora já um tanto quanto fora de forma e algumas medidas aumentadas, se redescobrissem. O termo é proposital: a falta de pretenção passada reservou surpresas para o futuro. E foram tantas surpresas boas! As meninas haviam crescido e estavam descobrindo que havia muito mais coisas em comum do que meramente os calos e sapatilhas. Era ano de vestibular e com ele as aflições, o medo e a ralação. Noites mal dormidas, anemia e meninas um tanto quanto "verdes". Mas apesar de um ano do cão, ele foi intercalado e compartilhado por algumas tantas alegrias e batidas no Lelo's. Tornaram-se tão companheiras que quando uma não mais teve companhia para tal passeio, a outra logo juntou-se a ela. Sem muita aprovação matriarcal, as duas tornaram-se as solteironas da vez. Largaram o álcool misturado ao leite com fruta e partiram para os filmes atolados em pipocas e refrigerantes, sem esquecer é claro das infinitas confabulações. Ah, as confabulações! Passariam o resto da vida praticando incansavelmente a tarefa que é tão inerente à presença das duas. Flui tão naturalmente leve quanto a vida que aprenderam a viver. Não é preciso esforço para que os assuntos saltem das bocas, os ouvidos assimilem e os olhos compreendam. E menos esforço é necessário quando a fala demonstra-se desnecessária. As bailarinas aperfeiçoaram a capacidade de se entenderem através da linguagem não-verbal.
Dizem que a sorte não bate duas vezes no mesmo lugar, mas talvez ela tenha mesmo decidido que essa amizade devia florescer. Imaginando as tais meninas sozinhas, fica difícil saber o que teria sido delas. Juntas, aprenderam a dividir o peso dos problemas, o desejo de saírem do casulo, a vontade de terem asas, os planos para quando as tiverem, a vida leve, o vôo livre, a fluidez (...) Não há como relacionar tudo o que foi partilhado se não dissermos: dividiram uma parte da vida! E não qualquer parte dela. É uma parte importante, grandiosa, embebida em infinitas possibilidades. A essa parte da vida costumamos chamar presente. A junção perfeita entre tempo e agrado. De fato, o tempo é agradável enquanto a música soa e os pés deslizam. Pés que logo contagiam todo o corpo, em sintonia com a música que toca e em pouco tempo o salão pertence a elas.
Talvez comecemos a perceber o quanto as pessoas são importantes quando imaginamos a vida sem elas. O meu salão com certeza fica muito vazio, meus pés não têm força para equilibrarem-se sobre as sapatilhas, a música ganha ruídos e a dança não flui. Enquanto os dedos tentam escrever algo que diga mais ou menos o quanto a bailarina é importante para o espetáculo da minha vida, o rádio toca POLLERAPANTALÓN. E como boa dançarina que é, você sabe que desperdiçar tal canção é imperdoável. Portanto, apenas peço: fique! Esse é apenas o primeiro ato dos muitos outros que virão. Obrigada, infinitamente. E agora, solta o som, chica!


o dono da foto:

Balanço I

Antes parecia muito mais fácil fazer aquele "balanço de fim de ano". A vida parecia resumir-se a alguns pontos, que reuniam alguns acontecimentos mais marcantes e ponto, estava fechado. Não muito além, o resultado de tal fechamento era positivo ou negativo, dependendo da predominância dos fatos.
Pois bem, neste ano o balanço mudou de face. O tal descobriu a complexidade que envolve a vida, mas o quão simples ambas podem ser. Sim, viver é complexo. A começar pelos questionamentos básicos que não se cansam de querer descobrir de onde viemos e para onde vamos. E talvez por não vermos tais respostas, vamos aprofundando cada vez mais o baú de perguntas que descobrimos no porão. Sobre as respostas, confesso não saber. Talvez elas sejam de competência individual, cada qual a seu tempo e de sua forma. Mas quanto as perguntas, me arrisco: são motores que nos impulsionam. Fazê-las ou não pode implicar ir adiante ou voltar pelo caminho.
Antes, talvez eu tivesse o anseio infantil de querer ver todas elas respondidas. Como criança curiosa, as respostas ganhavam maiores proporções do que as perguntas. Mas com o passar do tempo, aprende-se que nem todas devem ser respondidas com a prontidão de uma certeza. Algumas necessitam de tempo para serem construídas e compreendidas de forma mais proveitosa. O responder vai além: significa viver, ir adiante, experimentar, perceber que há diversas maneiras e optar. Responder exije da vida, enquanto perguntar exije de nós mesmos. É uma troca que deve ser feita sem afobação ou anseios de brevidade. É preciso calma para perceber quais perguntas devem ser respondidas e quais respostas devem ser dadas.
Dessa forma parece que as coisas ganham ares mais leves. Deixam fora da bagagem o peso da obrigação, assim como a rapidez que o mundo insiste em nos cobrar. Fica assim, fluindo, com a naturalidade das coisas que por si só encontram seus lugares, sem desespero. Quando a avó dizia que ''no fim tudo se ajeita'', pode ser que ela não tivesse razão ao dizer ''TUDO''. Mas quando conciliamos tal frase com o conselho de "dar tempo ao tempo", é quando percebemos que as coisas podem ajeitar-se.
E assim a vida tem caminhado. Fluindo leve, buscando ver mais claro, sem excessos, mas vontades à vontade. Se puder pedir algo a 2009, que seja isso: VONTADES, encontrem espaço para fluírem, descobrirem o mundo, saírem da bolha e perceberem o quanto a vida pode ser colorida.
Quanto ao balanço, esse é só o princípio. Não dá mais para querer resumir a vida, nem encerrarmos tudo com a simplicidade de um ''positivo/negativo''. É hora de ver como ela fica do tamanho de si mesma.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Sem limites


É difícil escapar ao clima que envolve os finais. Seja lá qual fôr, o término de algo tem características quase que inerentes. Aquela sensação de ''acabou'' cai sobre nós e a partir daí, salve-se quem puder. É a partir desse estopim que as conseqüências engolem qualquer tentativa de controle. As rédeas perdem-se em meio aos galopes e o turbilhão tem início.
Não há regra. Os finais podem ser felizes, trazerem gostos amargos, talvez nostálgicos, ou quem sabe ainda a sensação de que apenas mais um ciclo encontrou seu fim e logo menos encontrará seu recomeço natural. O fato é que alguns finais envolvem perdas e perder não é doce. Perder traz sensação de mãos vazias, peito apertado, finitude, o que pertencia (se é que algo nos pertence de fato) não pertence mais.
Aqui, lidar com perdas nunca foi tarefa fácil. Encarar que elas existem e acontecem a todo e qualquer momento, sem que estejamos necessariamente preparados, exije. Tudo pode acontecer muito rapidamente. O mundo caminha a passos largos. Ver virar a esquina aquilo que tanto quis reter nas mãos... Parece impotência, mas se confunde em meio a quantidade do que sentir. Gostar, querer próximo, gostar, deixar livre, gostar e entender que pertence ao mundo. Pertence a ele porque é muito grande! Tão grandioso que não cabe apenas em si mesmo, muito menos em apenas um coração. Tem um mundo de desejos, vontades e anseios; mas tem um universo de chances para realizar-se. É assim... deixar livre para ver florescer, ir longe, muito longe.
Talvez esse seja o fim encontrando o começo. Um novo ciclo inicia-se e vai seguir seu caminho. Quem quiser que o acompanhe. Mas saiba que não há limites...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

"Sofre mais quem espera sempre
ou quem nunca esperou ninguém?"
p. 62

"Não será nossa vida um túnel
entre duas vagas claridades?
Ou será uma claridade
entre dois triângulos escuros?

Ou não será a vida um peixe
treinado para ser pássaro?
A morte virá de não ser
ou de substâncias perigosas?"
p. 35

Pablo Neruda, Livro das Perguntas

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Desejo

Vontade de dormir sem peso na consciência, sem preocupações que não deixam a mente descansar, sem despertar assustado. Vontade de pisar na terra, pés descalços, ar puro, correr até cansar, brincar no balanço, descer no escorregador, caminhar entre as árvores, sentir o vento enquanto tem calor, fazer piquenique, ler um livro no parque, andar de bicicleta, deitar para olhar o céu, ficar encantada pela lua, procurar reflexos na água, fotografar, soltar pipa, subir na árvore, rever quem está longe, descomprimir o peito apertado de saudade, conhecer pessoas novas, visitar lugares novos, escrever um livro, pintar um quadro, brincar com argila, fazer bolo de chocolate, receber os amigos, confabular até a língua cansar, olhar nos olhos o mais fundo possível, aprender a costurar, brincar de boneca, amar, jogar as chaves fora, abrir as janelas, escancarar as portas, deitar na sacada, olhar o horizonte, assistir a filmes atracada a um pote de pipoca, estar bem acompanhada, ter amores por perto, ganhar cafuné, dormir no colo, deitar na rede, comer macarronada no domingo, abraçar até dois tornarem-se um só, deixar a mente fluir, permitir que a vida viva, viver com ela, aprender a dançar, tomar cerveja, comer amendoim de boteco, jogar sinuca, voar, ter asas, poder sumir quando quiser, fazer retiro espiritual na Conchinchina, estreitar o querer e o poder, saber que dá para encarar, chutar o balde, mudar de casa, trocar os móveis, diminuir os aparatos, cortar o fio da conexão banda larga, unir os meus fios de cabelo aos seus, brindar com copos, juntar os corpos, praticar mutualismo, tomar banho de chuva, sentar no meio da rua e chorar, gritar até ficar rouca, libertar os fantasmas, saber ter e deixar livre, saber ir e voltar, jantar à luz de velas, ligar o som, apagar a luz, fechar a porta, sussurrar ao pé do ouvido, morar sozinha, ver o sol nascer após uma noite bem vivida, sentir saudades, poder de novo e sempre, sentir a essência pessoal de cada um, agir, saber recuar, desconhecer meus limites e testar todos, alcançar o êxtase, ter êxito, praticar o êxodo, andar sem saber para onde, receber a surpresa ao virar a esquina, fazer do tempo um amigo, dizer adeus à falta de tempo para o que e quem é importante, descobrir todo o mundo que eu não conheço. Ai, que vontade!



- Ao caríssimo Vitor, que fez com que seus planos de férias animassem os meus. E mesmo que não concretizados, os desejos já estão todos acordados, à flor da pele e dos pés, que hão de sentir a água.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Fim

O fim estava próximo e ela sentia seus primeiros indícios. O dia morno que de repente via-se entrecortado pelo vento gélido. O sol que esquentava sua pele perdia-se em meio as nuvens já cinzas. As canetas, instrumentos dos mais úteis para suas necessidades, perderam a capacidade do traço. Os livros terminaram e suas histórias chegaram ao fim. Os papéis ganharam o tom amarelado, tom de tempo que passou. Os bolsos esvaziaram-se. A mochila carrega apenas lembranças dos lugares pelos quais passou. O colchão esconde as noites mal dormidas, as marcas dos corpos que ali estiveram, o suor que ali deixaram e as palavras sussurradas no silêncio. A pilha do relógio acabou e o tempo está parado. O lençol acordou frio, sem o calor dos que ali não estiveram dessa vez. Os filmes repetem-se incansavelmente, sempre com o mesmo fim e, quem sabe, o mesmo intuito. Os móveis estão repletos de pó. Na televisão, sempre as mesmas bobagens e fórmulas. As flores no quintal foram trocadas pelo plástico, que nunca morre, nem exige cuidados. As cartas deixaram de ser esperadas ao portão, mas chegam diante de uma tela de plasma. O sofá não recebe mais visitas. O chão sente falta dos pés descalços. O barulho das panelas deu lugar ao apito do microondas. Os remédios ganharam tarjas. Realização traz logo em seguida o profissional. O destino ganhou tantos outros donos que não ela mesma. Nos porta-retratos não há mais fotos. Os álbuns de família já não existem mais. O corpo já não treme mais de emoção, mas de frio. As mãos já estão doloridas e ressecadas pelo tempo. A pele perdeu o toque suave. Os músculos se retorcem e pedem arrego. Os pés lutam para sustentarem o corpo, latejando de dor. Os olhos só desejam se fechar. O coração pulsa com o desespero de quem tenta sobreviver. A saudade apertou tanto que a respiração nunca mais foi a mesma. Hoje os pulmões se enchem com cuidado, o peito não mais estufa, o corpo não mais se expande. A saudade apertou tanto que uma lágrima rolou e não deu para aguentar. Acabou.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

O imperceptível

Era tudo o que as 24 horas de um dia comportavam. Nem um instante a mais, nem um instante a menos. Sua vida existia diariamente, sempre começando de novo. Desconhecia o passado. Futuro nunca houve. O presente era sua única chance. Não sabe como nasceu, como eram seus pais, quem eram seus amigos mais antigos. Nem mesmo sabia quem era ela mesma. Nada prolongava-se o suficiente para aprofundar-se. A própria vida era muito fugaz, escorregadia, fluida e acabava assim! quando menos se esperava. Brincava um pouco de Cinderela, que após a meia noite e os badalos do sino tinha todo o encanto desfeito. Não importava o que estivesse acontecendo. Morria ali mesmo, para depois acordar e começar tudo de novo, sem continuidade. Pequenas vidas divididas em pequenos dias. A chance de ser várias e o risco de não ser nenhuma. Quem era ela? Nem ao menos nome, muito menos sobrenome. Sua identidade era a maior novidade do dia. Às vezes acordava Joana, às vezes acordava Maria, mas nunca sabia o que o outro dia lhe reservava. Para ela não havia outro dia. A continuidade era algo estranho que as outras pessoas falavam por ai. "Amanhã", "ontem"? Palavras inexistentes no seu dicionário. O livro da sua vida chamava-se "Diário", que nem sempre começava com um "Querido Diário...". Afinal, nem todas as suas identidades sabiam o que eram sentimentos. Há alguns que necessitam de tempo. Devem ser plantados, cultivados, na paciência de crescer aos poucos. Mas ela não tinha tempo de espera. Seu tempo corria. O espelho denunciava. A pele, que antes era tão lisa, passou a ganhar marcas. Marcas cavadas sutilmente, como artifício dos dias para mostrarem que passam. Ah, como passam! Passarão até chegar o momento de acabarem realmente. O dia em que a vida não mais acordar para a vida. O dia em que definitivamente não haverá mais futuro e o passado ficará perdido em alguma curva, enterrado por acaso em alguma esquina, como indigente que jamais existiu para a vida.

domingo, 16 de novembro de 2008

Monocromático


Não sabia ver o lado bom da vida. As coisas tinham quase sempre o tom acinzentado. Era como se sempre chegasse atrasada. Tudo já havia sido quando ela se aproximava. Vivia das sombras do que um dia foi, correndo sempre atrás de vultos que possivelmente pudessem levá-la a conhecer outras tonalidades. Não é possível dizer que havia esperança nessa corrida. Corria simplesmente por hábito. Um dia ensinaram que era preciso ser feliz e, como de costume, acatou a ordem. Buscava a felicidade como algo desconhecido. Não sabia o que era, como era, porque era. Mal tinha a capacidade de imaginar. Sua mente não conseguia ir muito longe, estava sempre amarrada. Era como se corresse atrás do próprio rabo, sem nunca conseguir alcançá-lo. O lado colorido da vida era engolido pela escuridão. Os vitrais eram sem cor. O tom mais próximo do nada encobria a tentativa das cores se manifestarem. Os olhos da pobre menina apenas conheciam o preto no branco. Sua vida era um enorme contraste, principalmente quando junta com as demais. Era como um fundo para as outras, que sempre estavam por cima da sua, fazendo dela o plano mais longe de ser visto. Em meio as outras cores os seus tons ficavam invisíveis. Amarelos, vermelhos, azuis e uma infinidade de outras cores saltavam aos olhos de quem estivesse ali, enquanto o branco e o preto desapareciam, com marcas imperceptíveis a olhos desatentos. Mas o mundo anda mesmo desatento, e ela sabe disso. Não só sabe como sente. Olhares que mal se cruzam, mal se fixam, mal se trocam. Aos poucos a velocidade aumenta sem que se perceba mais. Corre, voa, salta. Na velocidade da luz tudo fica mais difícil de ser sentido, degustado, apreciado e digerido. A felicidade da pobre menina saltava nos dias de chuva, quando a luz refletia os pingos d'água e ela podia chegar mais próxima ao brilho. Seus olhos eram opacos, mas a pobre encantava-se com os pontos luminosos que despencavam do céu. Porém, passado esse momento de êxtase, ela continua correndo atrás dos vultos. Corre até que o corpo peça arrego. Então desaba em um canto qualquer, se refaz como pode, fecha os olhos para a vida como quem morre e quando volta a si recomeça de onde parou. Mas não importa onde pare nem de onde continue, o lado bom da vida jamais mostra sua face a quem não sabe enxergá-lo. Não chega avisando de si mesmo. É discreto, disfarçado, quase sempre rodeado por aquilo que afasta os mais desavisados. A pobre menina está presa no labirinto, correndo, esgotando suas energias. Logo mais será hora de desabar novamente e, mais uma vez, começar tudo de novo.

Devaneios desconexos às 3:45 AM

Já faz algum tempo que a minha visão sobre céu e inferno se modificou. Tudo aquilo que as igrejas teoricamente pregam dissipou-se e o que restou foi apenas o que o mundo de agora comporta. Não sei bem se o inferno são os outros, mas acredito que tanto ele quanto o céu são aqui, bem aqui. E mais incrível do que isso é a capacidade que a vida tem de ir do céu ao inferno em tão pouco tempo, com uma facilidade inacreditável. Em apenas alguns instantes o pacífico pode tornar-se caótico e o celeste, infernal. Não sei se depende apenas dos outros ou de nós mesmos também. Nosso controle sobre nossas atitudes pode ser o estopim para todo o resto. Talvez seja melhor colocarmos essa responsabilidade sobre ambos os ombros. Sabe aquele dia que tem tudo para dar certo e, no último instante, desaba? Acontece. Aliás, mais do que imaginam todos. Até nós mesmos... A pergunta que permanece é se desabou por falta de resistência de nossos próprios ombros ou porque realmente houve sobrepeso? O instinto grita sempre ao outro. Muito mais fácil deslocar a culpa, se é que ela existe, para o mundo do que para nós mesmos. Nossa força é quase sempre centrífuga quando o assunto diz respeito a problemas. Teimamos em querer jogá-los para fora de nossa órbita, espalhando-os e evitando até olharmos demais. Até porque esse sentimento de culpa também tem suas lendas. Existe ou não? Deveria existir ou não? O mundo está ai para ser vivido, mas não está à mercê de todos nós. É preciso correr atrás, quebrar a cara, ser feliz e triste, conhecer o doce e o amargo e entender que não é como queremos sempre que assim desejarmos. Afinal, nós sempre queremos e desejamos. Ter sucesso é uma meta hereditária. Crescemos com ela sem nem imaginarmos o contrário. Ninguém deseja frustrações ao outro, exceto nas relações não-amigáveis. Mas no final das contas é uma pena que não tenhamos a idéia de frustração bem próxima, como algo natural. Os monstros crescem muito quando não os conhecemos. E quem nunca sentirá a sensação de aperto no peito e aquilo que conhecemos como ''ih, deu merda!''?
Mas é melhor parar por aqui hoje. O cérebro já se retirou há tempos e as experiências com o fluxo têm limites. Aliás, algumas coisas têm limites. Mas deita aqui, ao lado, bem perto, me deseje boa noite e amanhã continuamos.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Casal

Não sei ao certo sobre o que a teia de palavras quer falar, já que a cabeça não consegue um só instante de paz. O mundo gira na velocidade da luz e os pensamentos parecem bombardear o corpo cansado. São estímulos que não encontram respostas. A mente quer, o corpo pede calma. São assim duas coisas distintas, numa quase ausência de fusões. Tudo isso não fosse o elo que une ambos em uma relação de cumplicidade: não sabem o quanto resistirão. Talvez seja essa a maior certeza dentro da incerteza. Sabem que cedo ou tarde terão que ceder, caindo em um canto qualquer em busca de descanso. A mente ainda insiste, mas o corpo já começa a pedir arrego. Seus movimentos estão frágeis, seus olhos só encontram o brilho próximos às luzes artificiais, a pele está ressecada, assim como seu coração. Antes, tão embebido nos vários líquidos encantados da vida, hoje apenas coberto de pó e saudade. O corpo e a mente, que um dia já compartilharam tantas aventuras e desventuras, hoje são um velho casal, unidos pela necessidade de assim permanecerem, pois sabem que sozinhos já não podem ir. É necessário saber que o outro está por perto, mesmo que não mais ao lado. A mente mais uma vez reluta em desistir, mas o corpo já lhe disse boa noite. Vá, mente, vá descansar. É preciso que amanhã cedo você esteja disposta para acordar seu velho companheiro que está próximo de padecer. Mantenha-se saudável, permaneça trabalhando, mesmo que em alguns momentos seu trabalho resulte em apertos no peito e dores no coração. Saiba que mesmo gerando aquilo que chamamos de ''tristeza'', nos dá a certeza de que ainda continuamos vivos.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Devaneios às 4:30 AM

Sentimentos são definitivamente aquilo que anima as nossas vidas. É como se fôssemos amorfos até o descobrimento das nossas capacidades de sentir. Sentir medo, vergonha, carinho, saudade... Os nomes podem ser muitos e, ainda assim, insuficientes. Afinal, a vida não cabe em classificações. Ela é infinitamente mais ampla do que as categorias que nós criamos para enquadrá-la e assim tentarmos uma espécie de padronização dos sentimentos. E hereditariamente, com todas as atribulações que o cotidiano traz consigo, esquecemos de prestar atenção a esses pequenos detalhes que podem fazer toda a diferença. As idéias de amor, casamento, família e afins têm mudado constantemente do lado de cá. Iniciou-se um processo de desconstrução de tudo o que foi até agora. Ainda que lento, ainda que gradual, o pontapé foi dado e não há mais como voltar atrás. Os questionamentos surgem a cada momento, os mais imprevisíveis, como esse agora. Mas que justamente por esse motivo demonstram-se espontâneos e honestos com eles próprios. Estão longe de serem questionamentos programados, previsíveis ou pré-conceituosos. Pode ser que na ânsia do imprevisível muita coisa se perca, mas ainda assim é válido. E por mais apreensivo que seja, prazeroso. São sentimentos tão estranhos, que aparecem e somem com estopins fora de quaisquer planos. Em meia dúzia de palavras a nossa relação de amor e ódio acontece e se desfaz. E por incrível que pareça é possível enxergar o que há por trás dela. No final das contas é um carinho que existe e permanece, haja amor ou haja ódio. Irrita, alegra, desanima, entristece... mas ainda assim é o que faz a vida ganhar temperatura, cor, sabor, textura. Ainda assim é o que faz com que nós sintamos estar vivos. Ainda assim é encantador e vale a pena! Portanto, ajude a fazer valer! Os devaneios agradecem.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Como ser um best-seller em apenas 10 dicas!

Estar na lista dos livros mais vendidos é um dos objetivos de uma gama de escritores contemporâneos. Se para Homero esse objetivo não constava nem em seus sonhos mais distantes, Paulo Coelho e sua turma são os revolucionários da vez. Ficam as dicas de como entrar para o tal "clubinho":
1) Títulos que envolvem mística ou alguma super descoberta da ordem mais secreta fazem com que seu livro saia muito rapidamente da prateleira para as mãos dos leitores.
2) Livros que são como manuais vendem feito água no deserto. Numa sociedade onde até relógios têm bússolas, fornecer um norte ao leitor é de grande bondade.
3) "Como ser/estar/permanecer/ficar" e todos aqueles outros verbos que tornem as pessoas o que elas desejam em apenas 10 passos é um ponto positivo para alcançar o patamar de livro mais vendido.
4) Numa sociedade onde programas de fofoca têm grandes picos de audiência, lançar auto-biografias cheias de escândalos, confissões bombásticas, além de muito sexo, drogas e rock'n'roll são ótimas.
5) Ter uma pitadinha de auto-ajuda é fundamental, porque nada mais independente na pós-modernidade do que livrar-se de problemas sem a ajuda de um psicanalista.
6) Se a sua auto-estima como escritor for muito bem, obrigado, polemize! Nade contra a maré e ouvirá seu nome em infinitas rodinhas de discussão pelo mundo.
7) Tenha um passado cheio de podres, pois ele coopera para polêmicas do tipo "como um ex-bixo-grilo pertence à Academia Brasileira de Letras hoje?''
8) Sexo vende muito! Então, nada mais fenomenal do que reunir todas as suas aventuras sexuais em um livro básico de confissões. Principalmente se envolver homens casados, jogadores de futebol e afins. Como sugestão de nome, algo que seja peçonhento, tipo "Veneno da"... Aranha?!
9) Debater a eterna guerra dos sexos também pode ser um trunfo importante. Todas essas mulheres desesperadas por um marido comprarão, no intuito de descobrirem fórmulas mágicas e simpatias para segurar o bofe, além dos orgasmos múltiplos...! Mas caso você, escritor, não saiba todos esses segredos, coloque apenas o número de uma boa mãe-de-santo. Ajuda...
10) E para fechar com chave de ouro: nunca siga as dicas de seu livro. O risco de não dar certo é altíssimo e isso pode gerar crises existenciais de sexto grau. Utilize a imaginação, mas não execute-a! A vida precisa de muito mais que 10 passos...



- Resposta da única prova do curso de Jornalismo onde não há castração da capacidade imaginária de seus estudantes. É por isso que eu tenho tanta vontade de abraçar o professor Jean. Abraço de urso nele! Via Buddy Poke, por enquanto...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Nossa vez de jogar

Era apenas uma menina, que nasceu assim, sem mais nem menos. Sem pensar muito no porque e de onde veio, simplesmente veio. Já estava aqui e esse era o fato primordial, senão o mais importante. Agora era simplesmente correr atrás do prejuízo. Foi expulsa do confortável mundo que habitava. Lá não lhe faltava comida, nem água, nem horários de sono. Até um bate-papo rolava de vez em quando, acompanhado de carinhos vindos das mais diversas mãos. Lá ela sentia-se importante e protegida. Aquele pequeno mundo era seu enorme mundo. Nele existia tudo o que de mais grandioso ela já havia conhecido. Até que, ainda sem saber porque, acabou. Quando percebeu algo estranho estava acontecendo. De seus olhos escorriam um líquido salgado, enquanto que pela sua boca e nariz passava uma nova sensação, algo que era como combustível para que seu choro pudesse ecoar. Aquilo era ar. Um sentimento diferente tomou conta da pequena garotinha. Sentia-se trabalhando para que pudesse sobreviver. Não mais bastava o que havia feito naquele espaço tranquilo que um dia habitou. Era preciso sobreviver em meio a toda aquela infinidade de novas coisas. Era tudo muito corrido. Alguém virou-a de ponta cabeça, esperou que chorasse, logo cortaram-lhe o que durante 9 meses fora seu, limparam, enxugaram, embalaram. Mas por mais cuidados que recebesse, faltava-lhe algo. Algo que ela não sabia explicar. Simplesmente algo que foi perdido. Ficou entre o velho e o novo mundo, o conforto e o desconforto, o sossego e a luta diária. A pequena garota ainda estava muito longe de saber o que lhe aguardava. Estava muito longe de imaginar a falta de limites do mundo aqui fora. Muito longe de imaginar quais seriam os seus limites. As palavras do mundo para ela mudaram de tom, as cores ganharam tons, as formas passaram a existir, com nome e sobrenome. Tudo era muito novo e em muitos momentos o que lhe restou foi aperfeiçoar a primeira das armas que lhe permitiram ter: chorar. Ainda não entendia muito bem porque chorava. Era um misto de desconforto, medo, fome, cólica, desamparo. Chorava porque ali não se sentia acolhida. A sua arredoma perdeu o líquido que a fazia viver. Era como se houvessem tirado o encanto de algo que lhe era essencial. O encanto foi embora e a solidez implacável mostrou-se perante os sentimentos e sentidos. Seus gestos que agiam passaram a reagir contra ela. Ela conheceu, ainda que sem nome, o que são conseqüências. E depois de muito tempo aprendeu que conseqüências não vêm sozinhas, mas em cadeia. Uma espécie de efeito dominó. A primeira desencadeia a próxima, e a próxima, e a próxima, até que a conseqüência final bate à porta. As mesmas sensações daquele primeiro dia, onde tudo é novidade, retornam. Ela tem a novidade nua e crua esperando logo ali. Basta girar a maçaneta e pisar para o lado de lá. O desamparo, o medo, o desconforto... A menina, que já não é mais tão menina, sente tudo isso novamente. E dessa vez, o caminho que o ar percorre é o contrário. Ele não mais enche seus pulmões para a vida, mas retira pouco a pouco a vida de seus pulmões. E vagarosamente, como dando tempo para que ela possa rememorar todo o jogo de dominó que se sucedera até aquele instante, ela cede. Dá o suspiro final, devolve todo o ar que o mundo lhe emprestou e parte rumo ao outro lado. Não há como saber se haverá ar, pulmões, cores ou dominós. É esperar a nossa vez de jogar...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

ECO - ECo- Eco- eco...



A falta que o conteúdo faz. Parece um pouco prepotente dizer isso na posição de quem, teoricamente, tem conteúdo. Parece não, talvez seja de fato. É certo que não dá para medir pessoas em escalas, de 0 a 100 e colocá-las em um ranking. E acredito que, mesmo que fosse possível, melhor seria não fazê-lo. Principalmente porque estamos lidando com humanos. Que podem até não SER de acordo com a nossa percepção, mas que ainda assim... humanos. É difícil querer classificá-los se a cada pequena variação teríamos que abrir novos e novos critérios. Provavelmente os critérios seriam um para cada habitante do mundo, numa proporção exata, sem mais nem menos. Generalizar não é algo que me agrade. Perde-se a essência das coisas, aquilo que torna ela daquela forma, exatamente como ela é. As pessoas têm essências. Uma coisa modificada e pronto, não seriam como são, mas de outra forma que não esta. Parece paranóico pensar nisso tudo. ''Se a Mayara não gostasse de brócolis tudo seria diferente...'' Pode ser que sim, pode ser que não. Trabalhar com hipóteses, usando o ''SE'' no lugar dos fatos que são podem nos deixar malucos, a ponto de imaginar infinitamente e sem chegar a uma conclusão de fato, porque o que é, é.
Mas ainda sobre conteúdo, já vestindo a carapuça de prepotente, é triste conviver com pessoas-moldes. Talvez eu consiga explicar o termo pensando em uma fôrma, que possui os contornos, as formas definidas, moldadas como queremos, de acordo com nossas preferências, mas que ainda assim permanecem ocas por dentro. E isso faz com que a resistência delas seja baixa. As pessoas-moldes são quebradiças, cedem a qualquer força maior e se rompem, corrompem. Lidar com elas pode ser um grande teatro de marionetes. São apenas moldes, que por não terem conteúdo necessitam de quem tenha em seus lugares. E é nesse momento que abrimos brecha para quem quiser. A chance de manipular aumenta significativamente. ''Em terra de cego quem tem olho é rei'', e em terras ocas, quem tem conteúdo também pode ser. Não é necessário ser culto, conhecer Godard e Almodovar, os nomes de todos os prêmios Nobel de literatura, ter ido ao museu do Louvre por 7 vezes, nem absolutamente nada disso. Só é necessário criar filtros para poder digerir o que é enfiado goela abaixo todos os dias, para processar todos esses conteúdos e poder ter qualquer opinião palpável sobre eles, sem ter que ficar recorrendo às opiniões alheias. Não é necessário descobrir todas as verdades essenciais do mundo, mas é importante ter espírito crítico para criar ao menos a sua verdade. Porque talvez ela seja a maior verdade do mundo, uma vez que você crê. E esse pode ser um dos pontos chave de toda essa discussão. Filtros, conteúdo, digerir, verdades próprias. Seria mais fácil caso vendesse em lojas de conveniência, mas ai caminharíamos para uma outra discussão das produções em série, etc etc etc. Melhor pararmos por aqui. Por enquanto...



PS: Jorge, esse é para você, para as capivaras e para os moldes que encontramos por ai. Eles estimulam nosso blog a sobreviver. Janis tá contigo!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O diário, no limite...



Não poderia deixar de escrever algo a respeito da heroína da vez. Tá certo que ela foge de todo e qualquer tipo de padrão aceitável por aqueles que são fãs de uma digna heroína, daquelas bem poderosas, que lutam feito samurais e mesmo assim conseguem conservar o feminino e o sexy bem por perto. É justamente por isso que encontrei a minha heroína. Ou melhor dizendo, a minha anti-heroína. Se Macunaíma era o nosso herói sem nenhum caráter, Bridget Jones é a escolhida. Não que ela não possua caráter, mas está longe de ser as gostosonas enérgicas. Ela é simplesmente uma gordinha desajeitada, que vive fazendo merda no jornalismo e tem a vida amorosa mais conturbada que uma pane de avião. Pontos em comum não são meras coincidências. Exceto pelo fato de que ela possui dois galãs hollywoodianos brigando por ela a qualquer custo, com direito a bofetadas e pontapés no meio da rua. Há quem critique também pelo fato de Bridget estar entre os filmes da tal Hollywood. Ok, não é cult, não é Godard, não ganhou o Urso de Ouro... mas vale a pena. Perdi as contas de quantas vezes assisti. Confesso que em todas as vezes a sensação no final era sempre parecida. ''Caramba, eu quero ser Bridget!''. Tá, pode ser exagero, mas o filme traz suas reflexões. Se me permitem...
Tem mais de 30 anos, vários quilos acima do peso ideal, solteira, carreira instável, desengonçada, destrambelhada, atrapalhada, etc etc. Teria tudo para ser a figurante de um filme qualquer, onde a estrela principal é o oposto de tudo que já foi citado. O cabelo dela não brilha, as bochechas são enormes, ela não sabe cantar/dançar/representar, acabou indo pra cama com o chefe e pediu demissão. Caramba! Dá para passar horas discursando sobre tudo o que Bridget não é, o quanto ela não está nos padrões e o quanto ela está longe deles. E é justamente por isso que ela é a heroína da vez. Poder atracar-se ao pote de sorvete sem culpa é maravilhoso. As pessoas têm que começar a entender que celulite existe e que o Photoshop também. As capas de revista são apenas capas de revista. Fotografias que não refletem nada do que aquela pessoa é. Simplesmente tiram o que podem da sua roupa e colocam à venda. E esse é o rumo para alcançarmos a eternidade e os exageros: a eterna busca pelo perfeito, que só existe naquele pedaço de papel, e os exageros com do corpo em detrimento da mente para chegarmos àquilo. Já discursei sobre a produção em série que chegou ao mundo corporal. Os modelos despencam de todos os cantos, querendo vencer pelo cansaço e pela insistência. Afinal, acordar e dormir recebendo na cabeça ''seja assim, não seja assado, tenha bunda, não tenha barriga, coxas grossas, cintura fina...'' Fossiliza. Em algum momento, fossiliza.
Não dá para negar que beleza ajuda. Mas dá para comprovar que não se sustenta sozinha. Pelo contrário, ela pode ser conseqüência das tantas outras coisas que há lá no fundo, do lado de dentro. O externo é reflexo. Pode até não ser num primeiro momento, mas logo denunciará a si mesmo. E tudo isso, no fim das contas, é para confessar minha ''fase Bridget''. Com o pequeno detalhe de que ela tá pegando e eu não. Mas como eu já disse, é só um mero detalhe. E detalhe para uma oooutra história...

sábado, 11 de outubro de 2008

O entretempo

É como o espaço vazio entre o ponto final e a maiúscula da frase seguinte.Não tem nada ali, mas ele tem a sua função. Há alguma coisa naquele vazio. E nós todos, secretamente, sabemos.
É ali que agora me vejo. Entre uma coisa e outra. Naquele exato momento em que uma porta se abre, mas ainda não enxergamos quem ou que está por vir. E nosso olho, fixo na fresta, se enche de fascínio e medo.
Nos segundos em que a porta fica entreaberta, as coisas não estão acontecendo ou deixando de acontecer. Elas estão escondidas no antes e no depois. E, esmagados entre o passado e o futuro, nós permanecemos até o vazio tomar forma.
Um pequeno espaço de tempo onde as coisas respiram e tomam coragem para derramarem-se sobre nós. E nós - curiosos, aflitos, cheios de ansiedade - aguardamos. Mas, entre um roer de unhas e outro, há uma reconfortante compreensão: Se a maiúscula vier na letra esperada, teremos muito mais que uma nova frase.

- Cassiano Rodka

( www.paginadois.com.br )

sábado, 20 de setembro de 2008


Desisto de toda e qualquer tentativa em fazer desse blog algo para os outros. Ele é a minha sala de psicanálise e não se fala mais nisso. Quer conhecer o poço dos problemas? Seja bem vindo. Mas caso contrário, sinto muito. Eu preciso de algum canto onde eu possa ao menos deixar escorrer o excesso do que acontece. E eu estou puro excesso. Não sei ao certo o que sou, mas acho que vou assim, sendo, estando... Entendo que para uma estudante de jornalismo, esse blog foge muito às regras. Nada aqui é claro e objetivo. Mas eu não sou clara e objetiva. Continuo sendo, e cada dia mais, essa pequena criatura que cava um poço novo a cada dia. São palavras e pensamentos jogados aqui muito por questão de necessidade. Nem eu consigo compreendê-los. Mas a sensação é que jogá-los já tira parte do peso sobre as costas. Ao mesmo tempo é estranhíssimo que eu tenha a "coragem" de vir mostrar-me perante a comunidade cibernética. A hermética e os cibernéticos. Não consigo compreender quais os frutos desse casamento ainda. Acho que basicamente tudo gira em torno só da necessidade. Gatos pingados passam por aqui. Ninguém realmente preocupado em saber profundamente o que o lado de dentro tem guardado ou sentido. Dizem que o sucesso é solitário, mas a falta dele também é. Com o mínimo de bom senso a gente sabe que não pode ficar a todo instante reclamando da vida perante os que nos cercam. É um porre. É necessário fantasiar-se antes de sair de casa. Colocar as máscaras sociais que nos permitem a convivência. Nem sempre pacífica, mas ao menos possível. Atualmente, elas têm tido sorrisos amarelos, olhos não tão brilhantes, mas que conseguem disfarce próximo às luzes artificiais. Até que a noite insone comece, as máscaras devem ficar. São necessárias para qualquer contato, exceto entre mim e mim mesma. Na atual situação, sou obrigada a confessar os disfarces. Caso contrário, certamente teria que seguir a risca os planos de ir para a Conchinchina, tentar um retiro espiritual no topo do monte mais alto. Mas qual a garantia? Duvido da sua existência. Aliás, da existência de qualquer garantia. Tenho minhas dúvidas se o inferno realmente são os outros. O meu parece mais aqui, do lado de dentro, do que em qualquer parte do mundo. Não interessa se aqui ou acolá: de nós mesmos não dá para se desvincilhar. Pode ser que o lugar tenha o poder de aliviar ou agravar, assim como as companhias, mas não é o suficiente para resolver. Há coisas que só nós podemos fazer por nós mesmos. Por mais disposto que o outro esteja, por mais ajuda que o exterior propicie, quando atinge a alma, é conosco. Nós, nós mesmos, sem Irene. Aliás, em momentos assim, o medo de envolver-se com alguém é constante. Envolver-se de forma afetivo-sentimental, no caso específico. Num momento em que mal aguentamos com nós mesmos, apegar-se a outra pessoa e ter necessidades em relação a ela pode terminar num drama da vida real. O risco de não correspondência existe a todo e qualquer instante, em todo e qualquer começo, meio e fim de alguma coisa. Mas nesses períodos, melhor não arriscar. A alma não está inteira, provavelmente não aguentaria o baque. Receber um ''tchau'' no instante menos esperado... Não, o pobre coração não suportaria. Pararia de bater, desistiria de insistir, pediria demissão, alegando abuso do contratante. E de fato, seria pedir muito. Mas fazemos o que com a carência? Ok, desde já me assumo em estado de carência afetivo-emocional. E como cantarolava o sábio Zeca Baleiro, ''ando tão a flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar''. Assistir a comédias românticas, feito 'O diário de Brigite Jones'? Terminantemente proibido. Ninguém em sã consciência do estado em que se encontra poderia permitir algo dessa espécie. Atracada a um pote de sorvete, numa sexta-feira a noite, 5 quilos acima do peso e nenhum ombro amigo para chorar... O risco de suicídio chega próximo do limite. Então desligamos a televisão e vamos ler qualquer livro empoeirado da estante. Ou viemos aqui para o espaço cibernético, onde as relações se esboçam, com temperaturas abaixo de zero graus, e ficamos escrevendo sobre nossas tristezas e aflições, mesclando palavras entre lágrimas e papéis encharcados das mesmas. Acho que funciona mais ou menos assim. Se é que funciona...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Sempre me intrigou o ofício de torturador. Ele espuma de ódio de sua vítima, agride-a, cospe nela, dependura-a no pau-de-arara, aplica-lhe choques elétricos, enfia-a de cabeça para baixo na latrina, queima-a com cigarro aceso.
No fim do expediente, volta para casa, beija a mulher, afaga as crianças, passeia com o cachorro, faz suas preces e recosta a cabeça no travesseiro como quem sabe que "o homem mau dorme bem".
Um torturador levar à sua casa um sacerdote pareceu-se um capricho profissional, como o motorista passa com o caminhão novo da firma em frente à casa da namorada ou o piloto faz um vôo rasante no bairro em que mora.
Marcelo entrou naquela casa não na condição de preso, mas de presa. "Pudim" talvez tivesse o hábito de exibir à sua mulher e filhos as diferentes espécies de bandidos que passavam por suas mãos. Faltava um padre. E ali estava o sacerdote - aos olhos do policial, um terrorista que habilmente se encobria sob a afável aparência de um homem de Deus.
O que impressionou Marcelo foi ver "Pudim" no aconchego do lar: muito diferente daquele homem que, no quinto andar do DOPS, dependurava homens e mulheres no pau-de-arara e fazia a corrente elétrica obrigá-los aos esforços de uma dança macabra. Agora era o pai dedicado, cercado por seus filhos, e o esposo afável, como um açougueiro que, em família, já nem se recorda que passou o dia abatendo animais, abrindo vísceras, retalhando postas e sujando as mãos de sangue.
Se uma pessoa querida vai para a mesa de cirurgia, ficamos em sobressalto. A equipe médica, porém, abre o crânio, corta o peito, manipula o coração ou os intestinos do paciente com a mesma tranqüilidade com que os funcionários do Instituto de Medicina Legal lidam com cadáveres destroçados num acidente aéreo ou sufocados pela lama de um desabamento.
Suponho que o convívio diário com certas situações acabe por embotar-nos a sensibilidade. Aos poucos, a dor alheia soa como um ranger de porta, o horror vira rotina, a morte do próximo é vista como uma página virada. É a banalização da tragédia. Para suportá-la, procuramos revesti-la de comédia.
A TV nos submete ininterruptamente a um aluvião de acidentes, assassinatos, guerras, hordas famintas e esquálidas agarradas aos ossos ressaltados de seus filhos de corpo exíguo e cabeça dilatada. Nada disso tira o nosso sono nem provoca a nossa indignação. Aos poucos, vamos admitindo que essa é a normalidade, talvez um erro humanamente justificável, como as bombas atiradas sobre crianças e idosos na guerra. Apenas um nó de tristeza por ver o mundo tão injusto e cruel.
A TV domestica-nos para bem conviver com a tragédia, carnavalizando situações aberrantes e exibindo, no palco, deformações de corpo e espírito, como se fossem meras atrações de interesse público. Torna-se rotina ver a face que desabona os políticos: as diatribes do ministro, a corrupção do deputado, as fanfarronices do senador, a mentira do prefeito, a demagogia do governador, o cinismo do presidente.
Assim, aos nossos olhos, molda-se a impressão de que a política é suja, todos os políticos são malandros e o processo eleitoral, uma farsa. Desiludidos, recolhemo-nos à nossa vida privada, indiferentes à esfera política, onde é decidida - para pior ou melhor - a vida de milhões de pessoas, do preço do ônibus ao acesso ao emprego.
Tudo se banaliza, a ponto de ocorrer uma inversão em nosso enfoque: danem-se os direitos coletivos, as causas sociais, os valores e os ideais O que importa é o chicote da mascarada, a privacidade do ator de telenovela, a filha da rainha dos baixinhos, o féretro da princesa que enterra a nossa ilusão de que a vida, para nobres e ricos, é sempre bela e feliz.
Nas ruas, tropeçamos em mendigos e cruzamos com crianças abandonadas. São moscas na comida. Importam menos que uma dor de dente. Sorte nossa que ''não somos como eles''. Preferimos acreditar que a desigualdade social é como o inverno e o verão: para uns, as agruras do frio; para outros, o conforto do calor.
Conta a parábola que certo monge retornava a seu mosteiro. Cruzou no caminho com uma criança maltrapilha, abatida pela fome e pelo frio. Na igreja, vociferou contra Deus, que permite sofrimentos tão injustos. ''Por que o Senhor nada faz por aquela criança?'' De repente, um clarão. Deus mostrou a sua face luminosa e disse a ele: "Eu já fiz: você!''
Frei Betto
em ''Batismo de Sangue''

domingo, 14 de setembro de 2008

A lenda alenta?

A pergunta que fica é o que estamos fazendo com as nossas relações? Qual caminho tem tomado a nossa dialética entre interno e externo, entre o mundo e nós mesmos? Para ser sincera, exito alguns momentos antes de dizer que há dialética. Parece que muitas coisas estão sendo empurradas goela abaixo, sem que haja preocupações em refletir e ponderar seja lá o que fôr. Por um momento não há mais troca. São apenas imposições, ação e reação em sentido único, sem permeabilidade. Tudo tem ganho um caráter superficial, epidérmico. Os olhares são inconstantes, os abraços querem cada vez mais rápido se desvincilharem, os beijos não têm mais intimidade, não revelam quase nada exceto desejo físico. A quantidade prevalecendo sobre a qualidade. Os instintos dominando qualquer tentativa de reflexão. Basta atrair para si e ter hormônios. Não é preciso cérebro nem coração. Os sentimentos encruaram. Cada vez mais possuem menos espaço. As pessoas não mais ficam juntas por conseqüência. A lei da atração física é a grande causa. Não é mais necessário que haja laços, afeto, relações estreitas. Ninguém quer se ''amarrar''. A liberdade dos sentimentos tomou outras proporções. Estar com todos ao mesmo tempo e continuar sozinho. Todos são de todos e ninguém é de ninguém. Viva o amor democrático. Mas será que essa celebração está sendo bem feita? Banalizar ou democratizar? Um hiato entre ambas as atitudes. Vivemos na era do fast food. Tudo vem semi-pronto. Basta aquecer através de microondas pelo tempo máximo de 5 minutos. Tudo. Na nova era, conhecer o outro por 5 minutos já é tempo suficiente para escancarar a alma, a boca e as pernas. Nada foi feito para durar mais. Os bens duráveis estão em extinção. O descartável ganha espaço a cada dia. Tratamos tudo como se fosse produtos na prateleira. Em promoção. Estamos saindo da época do ''ficar'' para a fase do ''pegar''. Somos objetos de consumo, diversão simples e facilitada. Prozac não resolve mais. Tratamos a tristeza como algo a ser evitado. Sem nos darmos conta do quanto ela é essencial. A felicidade causa inércia. E sem pensar, vamos brincando de Second Life, criamos protótipos dos nossos sonhos, daquilo que desejaríamos ser. E nos relacionamos assim... Através dos nossos protótipos virtuais amamos, nos apaixonamos, brigamos e assim vamos ''vivendo''. Nossa Matrix está mais forte do que nunca. Entregamos tudo o que tínhamos de pessoal e próximo para bonequinhos genéricos, nos quais colocamos algumas de nossas mais atraentes caractéristicas físicas, que abraçam feito urso, dão tapa na bunda e entregam flores para os seus amigos virtuais. Estamos nos aprisionando sem saber. O interpessoal deu lugar à internet. São cabos e fios que se relacionam por nós. Os olhos e a boca perderam seu espaço para os dedos. Aquilo que não pode ser dito pelas palavras, que exige outras formas de expressão, simplesmente passou a não ser mais exprimido. Ficou o dito pelo não dito. E nisso tudo há um dilema. As nossas gerações estão crescendo nesse meio e não vêem horizontes diferentes por simplesmente não conhecerem. Domingos no parque são programas caretas. Tudo pode ser resolvido via MSN. Até mesmo namoros... Chegamos ao ponto de saber como a pessoa lá do outro lado está somente pela forma como ela escreve naquela caixinha branca. Amizades que surgem através da mesma caixinha. De repente você se vê amigo de alguém que jamais conheceu pessoalmente. E a sensação é tão estranha... Você parece conhecê-lo há milênios, mas só faz alguns meses. O turbilhão de sentimentos confusos. É certo, é errado? Ceder às vontades ou conter os instintos? Ter o direito de se arriscar ou o dever de ser bem sucedido? Eu não acho que há regras. Ser humano só tem graça por ser único. Apenas espero que o amor não vire lenda, feito cabeça de bacalhau e outras coisas mais.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Ser ou não ser?


Novamente, depois de já algum tempo, o antigo pensamento volta à tona. As surpresas acontecem justamente por não esperarmos que tais situações floresçam novamente. O medo, por sua vez, retorna por justamente não estarmos sempre com a alma preparada para tais exigências que a vida pode trazer. Beleza é sempre um assunto difícil. De fino trato e bom tato. Mais um daqueles conceitos subjetivos que, mesmo sem termos consciência, carrega consigo uma leva de experiências pessoais, influenciando a todo momento o que você acha ou não belo. Aliás, arrisco em dizer que a beleza é algo indissociável de nós mesmos. Sempre acabamos por buscar a beleza nas coisas mais ínfimas. Unindo o útil ao ''agradável'', sabendo que a beleza está nos olhos de quem vê, buscando parâmetros nas figuras apaziguadoras aos olhos...
Até uma certa idade nos preocupamos muito com terceiros. Na verdade, para alguns, essa idade jamais acaba. Mas não é uma preocupação qualquer. É a preocupação de sermos aceitos esteticamente pelo coletivo. É claro que não dá para agradar a todos, mas sendo a maioria, ótimo! Na escola sempre elegemos algumas ''princesas''. As donas dos cabelos mais lindos e bem tratados, do sorriso mais branco e retinho, das unhas mais bem feitas e coloridas com o esmalte da moda, e assim por diante. Tudo aquilo que as denominadas ''modelos'' possuem, elas chegam bem perto. E geralmente divide-se assim: princesas, vassalas e o resto. E é geralmente também nessa divisão que nascem os primeiros traumas estéticos. Se a menininha está 220 gramas acima do peso ideal, medido geralmente por cálculos dos índices de massa corpórea (IMC) vindos na revista Capricho, ela provavelmente já entrou para o time das vassalas. Vai ser obrigada a lavar pratos enquanto a princesa, trajando o vestido mais bonito da festa, agarra o príncipe no baile de formatura. E não importa o quanto a +220gramas seja bacana ou inteligente: a primeira impressão é a que fica. Parece a maldição da beleza. Estética e inteligência formam quase uma dicotomia, daquelas bem maniqueístas. Porém, essa divisão gera controvérsias. Afinal, o que é melhor: ser princesa acéfala ou vassala genial? A imagem que temos quando falamos de uma nerd é quase sempre alguém bem gordinha, com um óculos bem grosso, cabelos desgrenhados, cheios de pontas duplas, unhas roídas e muitos traumas de infância. O problema é que ninguém se atenta a isso até aquela certa idade. A menininha chora todos os dias e ninguém entende. Ninguém lembra que ela é dotada de sentimentos. As pessoas teimam em vê-la como alguém fora dos padrões e ponto. Mas quem fez os padrões? Talvez uma sociedade que vive colocando em patamares mais altos aquilo que pouquíssimos conseguem. Afinal, quantas mulheres no mundo são como as capas de revista? Fica claro que a parcela mais ínfima dela, principalmente quando percebemos que são sempre as mesmas estampadas na capa do mês. E são sempre as mesmas em todos os sentidos. Conversando com um amigo-senior, comentávamos a respeito de revistas de nudez. As femininas mais especificamente. E ele confessou não saber mais diferenciar quais eram aquelas já vistas da última recém lançada. As mulheres aderiram à produção em série. Na verdade, à modificação em série. Afinal, não há cirurgia, seringas e dinheiro que não transforme todas em frangos de padaria. Cintura fina, coxas grossas, sem cabeça, um bronze de Ipanema, iguais, enfileiradas, rodando e rebolando, e inalcançável para qualquer um que não tenha, no mínimo, uma condição abastada. E como conseqüência direta da separação entre beleza e cérebro, somos quase obrigados a escolher um dos lados. Ou nos obrigam a escolhê-lo. Quantas e quantas menininhas bonitas não foram empurradas por suas famílias para qualquer programa de auditório, teste de novela, comercial de fralda, etc? Quantas delas não crescem acreditando fielmente que a beleza pode ser a chave de infinitas portas na vida? Desenvolver o intelecto? Para que? Esquecendo que a beleza estética é apenas um estado de corpo. Está longe de ser eterna. Não vai durar todos os anos de sua vida. A lei da gravidade existe, a flacidez também, assim como tantas outras coisas que o tempo há de mostrar. É possível conciliar beleza e intelectual? Somos obrigados a confessar o preconceito também. Quando uma mulher bonita, daquelas bem bonitas, se mostra inteligente (ou tenta), logo arrumamos algum jeito de impôr a dualidade: OU bonita, OU inteligente. As duas coisas em um só ser parece que não dá.
Mesmo estando a anos-luz de qualquer capa de revista, sempre temi essa disputa. A hipótese de ser lembrada como a menina dos peitos assim ou das pernas assado sempre assustou. Onde ficarão minhas idéias? Em meio as partes do corpo, elas terão espaço? Alguém vai lembrar do que eu falei ou estará muito ocupado me imaginando nua em algum canto da casa? Ok, hipocrisia dizer que beleza não é importante. Mas está longe de ser essencial. Vinícius de Moraes provavelmente está se revirando na cova a uma hora dessas, mas paciência. Estipulemos então outro tipo de beleza. A dos olhos sem plástica, com os contornos do tempo, que fazem lembrar tudo aquilo que já viram; a das mãos cobertas das marcas, que só a idade é capaz de trazer; a da boca sem preenchimentos, capazes de dizer aquilo que o cérebro muito bem talhado é capaz de pensar e criar. Parece clichê, mas há sim uma forma de conciliar beleza e intelecto: que a beleza externa seja mera conseqüência do que acontece aqui, do lado de dentro.

Mordomia X Movimento


Mais uma vez a minha mente insone clama por ocupação. Não adianta mais prolongar o desconforto do corpo na cama. Não é o lugar dele agora. E então é aqui que dedos, mente e corpo vêm descarregar aquilo que já não mais suportam sozinhos.
Particularmente hoje o assunto não é dos mais subjetivos. Creio até que é o mais universal que as linhas deste blog já conseguiram dizer. Trata-se das contradições. São infinitas. Se pararmos para analisar, tudo no mundo é feito ''em par''. Para o amor, há o ódio; para o claro, há o escuro; para o dia, há a noite e assim sucessivamente. Não entraremos aqui nas questões mais profundas sobre essa concepção de pares opostos. Cairemos no âmbito de diferenciar oposição e diferença e assim fugiríamos muito da nossa discussão primeira. Ou não?
Levando em consideração o mais comum, teria infinitas contradições para me ocupar. Mas uma me ocupa em especial: movimento X mordomia. Explico. Desde que entrei para a Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", vulgo Unesp, me iniciei na política estudantil. Há sim fortes críticas quanto ao movimento dos estudantes. Também tenho as minhas em relação a ele e a tantos outros movimentos, mas que no momento não vem ao caso. O fato é: me interesso por isso. Depois de ter passado um tempo muito descrente em relação a muitas coisas, o último fio de esperança brotou e dele surgiram algumas outras novas perspectivas. Calma, o que surgiu não foi uma visão utópica e cor-de-rosa do mundo. Ainda acredito que há muita coisa errada e difícil de ser refeita. As estruturas estão muito bem calcadas, inclusive no nosso (in)consciente coletivo. E mudar tudo isso de forma rápida e eficiente está um tanto quanto longe. Mas mesmo sabendo de todos esses "detalhes", e principalmente por isso, dá vontade de fazer alguma coisa, para que pelo menos algumas coisas possam mudar.
Agora o outro lado. Devo dizer, e talvez confessar, que tenho uma situação financeira relativamente boa. Com perrengues como toda boa família. Aperta conta daqui, corta despesa acolá e assim vamos indo. E ai chegamos a um dos pontos chave. Pós-permissão para conduzir veículos da classe B, ou seja, carros, passei a andar por ai com um carro bom. Na verdade, bem bom. Um daqueles que tem vidro elétrico, trava elétrica, alarme, direção hidráulica e afins. E desde então tenho ouvido a seguinte frase, principalmente no âmbito familiar, em qualquer momento do dia que seja propício: ''Participa do movimento estudantil mas anda de carro, com ar condicionado ligado e tudo! Ai ai ai..." Isso caiu feito bomba. Um sentimento de culpa a cada partida do motor era inevitável. Será que eu não posso participar do movimento estudantil porque tenho ''confortos capitalistas''?
Realmente ainda não sei responder com firmeza a essas frases. Mas uma primeira reflexão me fez ver alguma saída no fim do túnel. Sim, eu acho que as duas coisas são conciliáveis. Explico. Hoje em dia é impossível não cedermos a algumas coisas. Por exemplo, o dinheiro. Vivemos numa sociedade capitalista e para quase tudo nessa sociedade é preciso que tenhamos aquele papel ou metal. É assim para comer, dormir, ir e vir. Hipocrisia a minha dizer que não consumo. Ou que então só consumo produtos e serviços nacionais. Vivemos na época das multi e transnacionais. As empresas estão em todos os cantos e nem de qual nacionalidade elas são nós sabemos mais. Tentarmos dar uma de Policarpo Quaresma pode resultar em um triste fim. E qual é a nossa opção? Não nos deixar predominar por aquilo que não concordamos. Tornar-se refém do que o dinheiro pode comprar é terrível. Viver para isso apenas é como enterrar qualquer esperança de mudança. Por que é errado ter um carro bom? Muito suor escorreu para que ele pudesse estar lá na garagem. E não acho isso de todo errado. Isso se as atitudes não colocarem os preços e aquisições em primeiro plano. Se mesmo que você tenha o carro do ano, com todos os atributos que ele possa ter, por que não poder fazer algo por quem precisa? Por que não poder aderir a atitudes que possam melhorar a vida do outro? Há tantas pessoas que estão em condições mais difíceis e nem por isso se dispõem a tentar mudar alguma coisa. Há carência de mudança e quem queira mudar. Como diria Raimundo Fagner, ''a juventude está correndo arás de trio elétrico''. Querer correr atrás de outros ideais, mesmo que de carro, é tão errado assim?
Fica a pergunta, ainda que sem resposta.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008


Mais uma vez o ciclo tem início. O movimento de oscilações parece eterno. Períodos acima, períodos abaixo, momentos neutros. Assim resumiria ser o ciclo. Um estudo de ondas. Se antigamente a freqüência era maior, hoje ela tornou-se mais suave. Mas não menos profunda. Pelo contrário, o período de duração é maior, com mergulhos mais profundos, nas feridas mais doídas. Alguns motivos permanecem. São aqueles companheiros inseparáveis, que só mudam de ''nome e endereço''. Na verdade só mudam de objeto talvez, já que o sujeito que sente, aqui, do lado de cá, continua sendo o mesmo. Ou teria mudado tanto assim? Tenho confusão quanto a isso. De repente parece que os parâmetros desapareceram. Os limites continuam, mas não tenho mais certeza se por hábito ou imposição. Talvez um seja conseqüência natural do outro. Uma imposição torna-se hábito, verdade, padrão. E como é difícil libertar-se disso. É necessário desprendimento e coragem para o risco. Há olhos espreitando nossas atitudes. Olhos que julgam, que ameaçam, que perseguem e punem. Punem de modo aparentemente sutil, disfarçado em meio a afetos, cuidados e interrupções. A rédea deve ser curta, os olhos devem estar fixos, os ouvidos devem ouvir apenas o que convém. Mas convém a quem? Por um lado você deve crescer, mas por outro de que forma crescer? Libertando-se ou perpantuando o já existente? Transformando ou prolongando as regras do jogo? E de quem são as regras? Quem as criou? Ir contra elas significa estar correndo risco? Será preciso todos esses olhares julgando a quebra do protocolo? Buscar novos caminhos é realmente tão grave quanto você justifica ser? O risco existe. A maior loucura da vida é nascer. A maior loucura da vida é viver. E somos diretamente responsáveis por essa loucura. Consciente ou inconscientemente, o compromisso é nosso. Mesmo que não haja controle sobre a vida, nós respondemos por ela. Teoricamente ela é nossa. Tudo isso sem querer atribuir qualquer caráter místico ou divino. O ponto chave é ter consciência do emaranhado em que vivermos. Nossa vida não é um fio solitário. Faz parte de uma rede da qual não é possível escapar. Somos nela concebidos e provavelmente o que seremos dali em diante será também seu fruto. E daí o medo. Quais são os frutos que estão sendo formados? Serão eles doces ou azedos? Serão eles saudáveis ou venenosos? Terão a oportunidade de mudar ou somente continuarão o ciclo? Somos marionetes nas mãos da vida ou o contrário? Será tudo uma questão de tempo? Será que possuímos o luxo do tempo?

É tempo de perguntas sem respostas. Tempo em que a alma está exposta e não há outro caminho a não ser continuar. Depois de um tempo a gente aprende que não dá mais para voltar atrás. O compromisso não permite. Encararmos nós mesmos, com feridas ou sorrisos. E que haja vida o suficiente.

domingo, 10 de agosto de 2008

Sou a favor da idéia de que não conhecemos nossos limites até testá-los. Tarefa árdua. Exige desprendimento e um pedaço da alma. Correr riscos nem sempre é fácil. Aliás, quando é? O que é? É inegável que traz sentimentos e sensações boas. O frio na barriga nos lembra o quanto estamos vivos. E estar vivo não significa ter o coração batendo, o sangue circulando e os pulmões realizando trocas gasosas. Não, isso não é garantia nenhuma. Estar vivo vai além disso. Além, inclusive, do que podemos prever. Conseguindo ceder aos novos limites, descobriremos o quanto não cabemos em nós mesmos, o quanto o corpo é pequeno e permeável. Afinal, não estamos falando de formas sólidas com limites muito bem definidos. Estamos primeiramente falando de seres humanos. Quais são os limites de um ser humano? Será que realmente existe nunca? Prezo verdadeiramente pela nossa grandeza infinita. Acredito termos tudo dentro de nós mesmos. Basta que tenhamos estímulos para que elas aflorem. E estes estímulos podem ser os mais diversos. Até mesmo aquela situação pela qual passamos todos os dias... Um dia ela poderá acontecer diferente, mesmo estando tudo aparentemente igual. E é ai que descobrimos o encanto das coisas. O encanto que cada uma reserva dentro de si mesma. Um encanto único, cada qual com o seu. É um processo muitas vezes doloroso. Chegar a esse estágio com certeza custará algumas cicatrizes na alma. Mas é recompensador, digno de orgulho. É difícil dizer a alguém quando a mudança aconteceu ou não. A mudança primeira se passa aqui, do lado de dentro, onde tudo é mais profundo, interno. Depois, como conseqüência natural, o exterior reflete a novidade.
Eu acreditei que a casa já estivesse em ordem. Mas, definitivamente, nem todas as coisas já têm lugar próprio. Ainda é preciso cuidado. A alma não está inteira e nós não estamos brincando de Second Life. São pessoas, que sentem de verdade. E é justamente por isso que dá medo. Eu tenho medo, mas só poderei saber cedendo. Então, mais uma vez, é hora de arregaçar as mangas e proteger, o que puder, a alma. Falta do que nunca teve?

sexta-feira, 25 de julho de 2008

"Para mim, fotografia é prazer, embora prazer não seja sinônimo de felicidade. Na vida, como na fotografia, o prazer é uma força contagiante, capaz de aguçar todos os nossos sentidos - visão, audição, olfato, paladar, tato. O prazer deixa você aberto e vulnerável, mas também cura suas decepções. É silencioso, mas radiante; é alegria com uma certa seriedade. É muito mais um sorriso do que uma gargalhada.
O prazer é uma força inspiradora que intensifica a existência. É capaz de dirigir seu coração, seus olhos e sua mão quando você aperta o obturador. Pouco importa o motivo; o significado do que você fotografou está em tê-lo fotografado.
Uma imagem fotográfica cria uma história que nunca se pensou em contar. Ela é uma mentira dizendo a verdade, um sim e um não ao mesmo tempo, um é e um não é. Digamos que é um momento poético no qual o 'faz de conta' cria nova vida. Tome por exemplo o pombo que, nas mãos de um santo de pedra, aparenta estar dialogando pacificamente com um velho amigo. Na fração de segundo de uma fotografia, é possível dizer o que não foi dito. Quando uma menininha alimenta os pombos de São Marcos, em Veneza, seu medo se transforma em prazer. Todo suspense baseia-se neste paradoxo humano: o prazer do medo. Nem positivo nem negativo, o prazer pode seguir várias direções ao mesmo tempo."

Ernst Haas - Fotógrafo

sábado, 19 de julho de 2008

"Eu já me perguntei se o tempo poderá realizar meus sonhos e desejos. Será que eu já não sei por onde procurar ou todos os caminhos dão no mesmo? E o certo é que eu não sei o que virá. Só posso te pedir que nunca se leve tão a sério, nunca se deixe levar, que a vida é parte do mistério, é tanta coisa pra se desvendar. Por tudo que eu andei e o tanto que faltar, não dá pra se prever nenhum futuro. O escuro que se vê quem sabe pode iluminar os corações perdidos sobre o muro. E o certo que eu não sei o que virá. Só posso te pedir que nunca se leve tão a sério, nunca se deixe levar, que a vida, a nossa vida passa, e não há tempo pra desperdiçar."

Todos os caminhos - Lenine

E é exatamente disso que estamos falando.
Assusta, mas novamente ensina às borboletas no estômago que elas sabem voar...

Presente

Cada vez mais percebemos o quanto é impossível prever o futuro. Até ontem tudo estava diferente. E este diferente já não era igual ao anterior. A eterna transformação das coisas, ora imperceptíveis, ora escancaradas aos nossos olhares. Transformações que trazem a surpresa do acaso e do destino. Fazem com que novos frios na barriga sejam sentidos, novas borboletas no estômago descubram o que é voar, e que os olhos brilhem, não mais foscos. Assusta. Há pouco tempo não era esse o caminho que imaginava seguir. Mas o fato é que não há controle. Viver tem disso. Previsões se fazem e se desmancham num piscar de olhos. Há perguntas que ainda não sei responder. Mas o que posso pedir é que nunca se esqueça do porque o agora chamar presente...

domingo, 6 de julho de 2008

É difícil lidar com saudade do que está perto. A saudade do que está longe é "convencional". Mas sentir falta do que está tão próximo, tão junto, a poucos passos...
Talvez não seja de todo incompreensível. Creio que a palavra correta seja inaceitável. Inaceitável pelo fato de não haver necessidade para tal saudade. E pensando bem, nem para a que está perto, nem para a que está longe.
Criamos algumas amarras no decorrer das nossas vidas. Nos prendemos a algumas convenções e imposições que nos machucam. Alguns dos nossos maiores problemas poderiam encontrar solução no simples fato de eliminá-las. Ou ao menos minimizá-las. O ponto principal da saudade é habitarmos o mesmo mundo. Para que sofrer tanto pela falta de alguém quando não necessitamos de transcendências metafísicas? Para que se machucar tanto quando alguns passos, algumas portas ou alguns quilômetros resolveriam tudo? É realmente necessário ter que sentir falta do que está do outro lado da parede? Ao fim da rua? Na cidade ao lado? Eliminar a saudade também não é saudável. Ela alimenta e gera coisas muito boas. Alimenta a vontade de estar junto, perto, aqui. Gera a recompensa da presença após a falta. Mas não deve ultrapassar seus limites, engolir as conseqüências boas e trazer dor. Quando alcança esse patamar é hora de repensarmos o que fazer. É hora de colocar na balança se vamos esperar que as coisas possam se unir por vontade do acaso ou se somos responsáveis por elas. E, principalmente, não nos esquecermos: o futuro é apenas uma hipótese. Conjugar verbos no futuro pode ser perigoso e frustrante. O que concretamente possuímos é o agora, o já, o presente. Nossas oportunidades estão todas aqui.
Meu tempo presente nunca teve tanto valor quanto tem agora. Depois de algum tempo tendo que pensar muito no futuro, encontrei a essência do tempo-já. E como é bela. Os instantes caminham, sem correr, sem ter pressa. Caminham com uma sede de captar o que fôr possível do que já é. Sem preocupar-se em pensar o que já foi e será. O tempo de pensar isso já foi e será. Mas agora é tempo de pensar no que é. Parece repetitivo, mas que seja. Prefiro pecar pela redundância do que pela culpa da falta. Antes perder pela tentativa... Arrisco, tendo que mais uma vez desproteger a alma e dar a cara a tapa. É o risco que se corre. E eu me dispus a correr. Até quando a alma aguentar. E caso ela se despedace, não se assuste... novamente recolherei os cacos, unirei-os e me reconstruirei. É o risco que se corre. Mas o êxito vem da tentativa.

sábado, 5 de julho de 2008

Início da sessão férias com saudades

O primeiro chegou ao fim. Somente o primeiro dos outros sete que temos pela frente. Caramba! O primeiro já foi. Passou quase como um despercebido. Não fosse a correria e o cansaço do fim, permaneceria assim... como quem passou de leve, quietinho, calmo. Se os amigos da faculdade são os que ficam para o resto da vida, então tenho certeza que carregarei bons comigo. Não esperava, mas encontrei. Aqueles que vão vir na memória quando, muito tempo daqui, for contar as peripécias na época universitária. Serão, sim, dignas de lembrança. E vai dar um aperto no peito quando o sono estiver em dia, os livros tornarem-se cansativos e às 19:00 horas não ter aula para entrar... Não direi sentir falta da correria. Direi sentir falta de quem correu comigo. E que venham os outros sete!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Assim como ela estou (in)conscientemente buscando a ordem. Essa falta de lugar das coisas inevitavelmente me incomoda. Não sei ao certo se a palavra é exatamente essa. Talvez incomode por simplesmente ser estranho. Depois de tanto tempo não haver mais ordem. As coisas antigas já não têm mais lugar. Elas não cabem mais na vida que cabiam. Ao mesmo tempo em que as novas coisas têm sido doloridas. Era o risco a se correr, e disso havia total consciência. Só não havia consciência do que estava por vir. Veio e ponto. Turbilhão de novas sensações. Instaurou a ordem de desordem. O estado constante é este. E honestamente não gostaria de ter que compartilhar isso com as palavras em textos sem sentido, numa página sem sentido. Mas aquilo que eu disse que escapa... o que escapa é o que já não cabe mais em mim. Isso que sai de meus dedos agora é o excesso. Os sentimentos e sensações escorreram, não mais cabem somente aqui. Precisam de algum espaço, mesmo que pequeno, mesmo que invisível. Não existe para os outros. São para si próprios. Por enquanto. E que assim seja. Por enquanto. Ainda creio que não é justo jorrar o que se passa do lado de dentro. É preciso uma dose extra de auto-controle. Paciência... a dádiva aprendida e, espero, nunca mais esquecida. As tais lembranças eternas, não importa quanto tempo passe. E honestamente não me pergunte. Eu também pouco entendo de tudo isso. Somente cometi o ultraje de ceder àquilo que chegou, de maneira escancarada. Não tem fim, não tem começo. Apenas tem. Ou melhor, será que tem? Aqui do lado de dentro sim. Há muito. Muito de não sei o que, mas há. Há o misto de vazio e preenchimento. O aperto do estômago e as mãos trêmulas. Os olhos que brilham sem saber se é de alegria ou de lágrimas. A boca que sorri amiúde, ao mesmo tempo em que deseja e é consciente. Dotada dos últimos fios de razão que me restam. Eles se dissolveram, feito açúcar na água. Apenas não sei se era açúcar ou sal. Se o gosto é doce ou salgado, agradável ou amargo. Há medo, e esse é outro ponto chave. Os passos são mais vagarosos quando não temos certeza das coisas. E talvez melhor que seja mesmo assim. Não corremos o risco de perder os detalhes pelo caminho. Isso se, mesmo com medo, soubemos controlar o pânico. A vista deve estar límpida, os olhos devem estar atentos. Caso contrário, coisas importantes passarão despercebidas. Dias difíceis são assim... mais coisas cabem menos. "E livrai-nos do mal, amém".

domingo, 22 de junho de 2008

Último ato... antes do intervalo

Creio que fará falta. Esse aperto no peito denuncia. O que há pouco tempo não era ponto de pauta, passou a ser, infelizmente. A correria vai passar, o semestre vai terminar, e quando poderíamos respirar aliviados, agendar botecos e papos furados, não é o que vai acontecer. É uma tempestade em copo d'água, eu sei. Mas é que em mim a falta toma grandes proporções. Drama queen. E na verdade. que seja. Inacreditavelmente as coisas caminharam para esse rumo. Um caminho bom, que mesmo cheio de incertezas e medos, já se fez valer a pena. O desejo é mais uma vez prolongar o que faz bem. E mais uma vez caio no erro de confessar tudo isso, falar o que dá medo, provocar o medo pelo egoísmo de dizer o que se passa aqui, do lado de dentro. Peço desculpas. A intenção nunca foi essa. Na verdade a intenção nunca foi antes. É agora. Vejo que não conseguirei terminar... tudo é paradoxalmente vago e intenso. Fervilha, sem ter ordem, sem alinhamento, sem exatos lugares para as exatas coisas. Trouxe a nova ordem desordenada aqui, para o lado de dentro. Agradeço e concluo... creio que sentirei saudades!

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Em off

Em alguns momentos temos que nos esforçar para sorrir. Inclusive sorrir para fazer sorrir. A omissão de alguns sentimentos às vezes se faz necessária por não saber o quanto é justo com o outro. Sim, você é responsável pelo coração apertado. Mas inconsciente. E talvez melhor que seja assim. É uma possível idéia de não passar uma ''corrente de aflição''. Melhor que ela pare por aqui, com quem já está acostumado às cicatrizes inevitáveis. Viver tem disso. O ditado que diz ''um dia da caça, outro do caçador'', ou ''o mar não está pra peixe'' e etc. se confirma. Não dá para ser feliz sempre. É preciso também que saibamos conviver com a dor. Aprender a fazer dela uma companheira amigável, sem maiores desentendimentos e angústias. O problema é que nem sempre aprendemos tudo o que deveríamos. Alguns processos são mais dolorosos que outros. Exigem de nós mesmos. Mas o que se há de fazer? Creio que tirar o que de melhor houver nas adversidades. É preciso olhos atentos, mas com certeza há pontos positivos na pior e mais dolorosa situação. Quem fala não é uma pós-doutorada no assunto. É simplesmente alguém que ainda sofre com as adversidades. É alguém que carrega o peito apertado por preferir não dizer. Alguém que tem sentimentos, sente dor, gosta de colo e chora feito criança, mesmo que isso às vezes passe despercebido. Talvez uma questão de prioridades no olhar. E natural que seja assim. Portanto, que seja assim por mais algum tempo. Até que a alma se recomponha e a omissão deixe de vigorar. A omissão, porque, acredite, olhando com atenção verá que milimetricamente o corpo não mente.

terça-feira, 17 de junho de 2008

(...)

Será permitido ceder ao instinto e somente realizar o desejo? Será permitido que simplesmente façamos, sem pensar que haja conseqüências cruéis a temer? Será permitido que eu me renda aos sentimentos que pulsam aqui dentro, loucos de vontade de sair, ver o sol, respirar o ar do lado de fora? Será tudo isso permitido sem que eu machuque aqueles que me cercam? Será eu capaz de tanto egoísmo? O problema é que as mais simples coisas fazem falta. O que gostaria agora é somente e novamente aquele botequim, os copos cheios até a metade de cerveja, a garrafa tilintando devido a noite fria, a conversa agradável e o corpo milimetricamente dizendo o que a boca algumas vezes não permitiu sair. É essa simplicidade da vida que é difícil de ser entendida. Honestamente não sei se são as coisas complicadas ou se nós é que fazemos assim. Tudo parece muito simples. Fácil de resolver. Estamos vivos, e este é o ponto chave. Habitamos o mesmo mundo e não precisamos de transcendências metafísicas. O que é difícil então? Talvez os nossos sentimentos indomáveis e ainda amorfos. Um desalinhamento da ordem das coisas e das sensações. É um redemoinho de coisas inexplicáveis, as quais o dicionário ainda não compreende. Pode ser que passe amanhã, como uma bonança após a tempestade. Mas estou cada vez menos preocupada com o futuro e distante horizonte. O pensamento de que o futuro foi agora tem sido cada vez mais constante. E na reorganização da minha casa revirada é assim que desejo que seja. Como tecla batida, quero cada vez mais o é. Pois como diria Clarice, "a invenção do hoje é o meu único meio de instaurar o futuro".
Estou dando a cara a tapa, disposta a encarar de frente as inevitáveis conseqüências de tudo que possivelmente possa vir. E, querendo ou não, virá. A lei de causa e efeito dificilmente erra. Portanto, é hora de arregaçar as mangas e proteger a alma. Mesmo que não profundas, as marcas são inevitáveis. Como um museu necessita de obras para demonstrar o passado, nós precisamos de marcas e lembranças. E, aproveitando a já citada, que este seja para terminar. Por agora. "Por te falar eu te assustarei e te perderei? Mas se eu não falar eu me perderei, e por me perder eu te perderia" (...)

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Fluxo de (in)consciência

Perdão se estou novamente invadindo um espaço que não é meu. Por um momento sem tempo contado minha consciência não existiu. Desapareceu como água pelo ralo. Ou mais do que isso, pois não deixou rastros. Talvez faça parte deste novo processo. Este que ainda é muito confuso para mim. A casa amanheceu revirada. O lugar das coisas já não mais existe. Nem as coisas existem mais. Olho para o lado e parece que não pertenço a este lugar. Não fosse pelo fato de eu estar aqui. Sou eu quem está aqui e talvez este seja o último fio da minha consciência antes de desaparecer totalmente. Eu tenho frio e estou um pouco assustada, confesso. Não sei ao certo por onde começar. E nem sei como fazer isso. As coisas se iniciam pelo início. Mas qual é o início das minhas coisas? Eu possuo algo a que posso chamar de meu? de minhas coisas? Não estou certa disso. Minhas mãos geladas me tiram a concentração. Elas doem. Mas eu continuo com os olhos espantados e as mãos intactas, sem coragem de tocar nos objetos ao meu redor. Os dedos recuam, querem desaparecer, assim como a minha consciência. Desejam ser luva pelo avesso. E eu estou do avesso. Meu lado não era esse. Eu não era ontem esta que amanheci. A que levantou da cama nunca havia me visitado antes. Chegou feito visita que não avisa, mas já tinha a chave da porta. Não pediu licença. Simplesmente entrou. Nao sei ao certo se lá fora é dia ou noite. Minha cabeça está confusa. As coisas estão rodando, nubladas, foscas. Será ressaca, enxaqueca, apanhei? Perdi a consciência e não tenho a memória boa. Esqueço algumas coisas que me fazem falta. Talvez tenha esquecido como esta casa acordou assim e o porque estou eu assim. Socorro. Deveria chamar por socorro? Quem há de me ouvir? Ninguém nunca me ouve. Minhas palavras passam mais leves do que o vento pelos ouvidos alheios. Nada representam. São como vácuo. E isso me incomoda. Algumas vezes gostaria de ser ouvida. Nem que por sussurros. Será que ainda sei falar? Acho que me é estranho fazer isso. Penso que há tempos não o faço. Falar? Talvez. Por enquanto, me contentaria em entender. Entender para mim, sem ter que contar para alguém. Mas, mesmo que soubesse falar e quisesse contar, faria para quem? Acho que não tenho amigos. Não me lembro de outros rostos que não este meu, assustado, diante do reflexo na janela. Perdi a ordem das coisas. Os encaixes desapareceram. A ordem me confortava. Tinha um colo para correr. E agora estou órfã. E nem ao menos sei gritar por socorro. Será que conseguirei dormir? Talvez deitar-me agora e cair no sono me fizesse crer que tudo isso é um sonho. Será? Não sei se tenho coragem de tentar. Esta chance pode não vir nunca mais. Esta sensação pode não se repetir. A oportunidade de um novo início. Acho que quero começar um novo início. Creio que é o único modo de prosseguir. Perdi o meu passado. Não consigo me lembrar de nada. E hoje jamais me arriscaria a qualquer futuro. Estou assustada demais para isso. Quero somente entender e ficar aqui. Já. É. Se houver alguém ai, por favor, pegue a minha mão. Não se assuste com a sua temperatura. Elá há de ficar mais quente quando o temor passar. E estes tremores que você possivelmente sentirá são dela também. Mas tudo há de ganhar calor. Acredite. Mas por favor, se houver alguém, pegue minha mão. Estou sozinha e tenho muito frio. Me mostre o lugar mais quente para eu ficar. Eu preciso de calor. Me guie. Os meus olhos estão nebulosos. O vulto das coisas... é só o que enxergo.

domingo, 15 de junho de 2008

Talvez

Talvez não seja a hora certa. Talvez não seja a pessoa certa. Talvez não seja o momento de encaixar vidas. Talvez essas vidas nunca se encaixem. Talvez seja preciso certeza. Talvez não exista certeza. Talvez seja necessária confiança. Talvez não haja auto-confiança. Talvez o que haja é apenas um desejo. Talvez seja desejo unilateral. Talvez não seja. Talvez um bocado de coisas que só saberemos no decorrer da vivência. Como tecla batida incansavelmente, continuo dizendo que é a única forma. Não há futuro antes do presente. É no presente que o futuro se faz, se inicia, se molda. E cada vez mais é nele que quero viver da melhor maneira que puder. As coisas têm me dado esse exemplo. Somente ser, estar, permanecer.... Ideologia batida incansavelmente. Mas talvez essa seja a forma de lembrar-me todos os dias o que é ter este dia. Talvez ainda seja necessário... Mas talvez é o que não há de faltar jamais. A dúvida talvez seja também necessária. Mas o suficiente para também proporcionar algum espaço para a confiança. Tomara que tudo termine bem. Se é que deve terminar. Será?!

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Primeiro andar

Algumas vezes dá vontade de pegarmos pela mão e ajudarmos a seguir em frente, feito criança pequena aprendendo a andar. Vemos o quanto precisa de ajuda e acreditamos ter algo a acrescentar. Mas por outro lado, nem sempre é o que deve ser feito. Alguns tombos são necessários e nessas horas precisamos saber soltar as mãos. Há problemas que só podem ser resolvidos sozinhos, mesmo que o mundo estivesse disposto a ajudar. E mesmo que esta pareça uma atitude egoísta, não o é. Pelo contrário. É algo que dói ter que fazer e mostra o quanto queremos o bem do outro. Não é por mal que fazemos. É simplesmente pelo melhor que pode ter. O intuito é apenas esse. Cresça, apareça e vá. Vá para onde suas pernas permitirem chegar. Vá para onde seus braços conseguirem alcançar. Vá para onde sua alma simplesmente desejar. Porque mesmo não parecendo, como toda mãe cuidando da cria, estará por perto. Pode ser que não nitidamente. Pode ser que não explicitamente. Mas estará zelando, mesmo que em pensamento... Portanto, vá. Quando o tombo vier as mãos estarão lá.

sábado, 7 de junho de 2008

Sejamos...

É tempo de sentir medo. Tempo em que as rédeas estão se afrouxando. Tanto, a ponto de perderem-se no galope da carruagem. Mesmo sendo o controle algo ilusório, nele há uma sensação de conforto. Uma espécie de auto-engano no que diz respeito a previsões. Mas e quando não resta nem a ilusão? E quando estamos nitidamente sem controle? As emoções seguem um fluxo confuso, descontínuo. Caminham para um lugar que não sabemos qual. Não há visão do horizonte que nos aguarda. Estamos vendados frente a paisagem. Ela existe, mas não temos idéia de qual seja. Quando o trilho chegar ao fim e a claridade tomar conta dos nossos olhos, pode ser que nos deparemos com uma visão idílica. Mas pode ser também, que ao contrário, haja somente destroços e um aperto no peito. Essa é a real essência. A essência pura, liberta de auto-enganos. Aquilo que apenas se sente, mas não tem nome, não tem regra, não tem planos. Simplesmente é. É na pureza e espontaneidade de ser. Vai assim, sendo. E ao mesmo tempo em que aflige, traz sentimentos bons. É um sacrifício que vale a pena. O encanto do imprevisível. A chance do certo e errado, puramente simples. Os pés caminham com cuidado. Não é preciso correr. Correndo, perde-se o presente. Os detalhes ao lado, aqui, bem perto. Atente os olhos para o que é já. Não se preocupe com o que poderá ser um dia. Se puder e tiver que ser, simplesmente será. Virá. Não é preciso que se preocupe. O amanhã pode acabar hoje. E o futuro já foi, agora. E quanto ao passado? Somente conseqüências de um presente. E para que este passado seja agradável de lembrar, é preciso que este presente tenha sido bem vivido. O encanto do agora. Quero não o que já foi, nem o que possivelmente será. Quero o agora, o já, o é! O é, sem "ter sido", sem "que será". O medo existe. E talvez seja necessário. É o nosso ponto de equilíbrio. Aquele que nos diz ''vá'' ou ''fique''. O que pondera nossos instintos e nos liberta da razão. Basta termos o medo como amigo. Não adianta nos sentirmos ameaçados como por um inimigo. Ele é companheiro, é companhia. E será, sempre. Se não pode contra, alie-se. Ter medo não é ter covardia. Pedir ajuda não é feio. Os ombros não suportam o mundo sozinhos. Às vezes é preciso saber disso. Saber e gritar por socorro. Gritar a quem pode ouvir.
É só uma pena que às vezes percamos a fala. A boca seca, a garganta trava e a voz emudece. E são nessas horas que devemos pedir auxílio. Auxílio aos olhos, que brilham e demonstram o que gostaríamos de dizer. Auxílio à boca, que sorri e mostra o que a voz não permitiu sair. Auxílio às mãos, que confortam tanto quanto as palavras que estão secas na garganta. E assim, auxílio a todas as partes do corpo, que milimetricamente demonstram o que talvez palavras não conseguiriam expressar. Só são necessários olhos atentos. A pureza das coisas só é perceptível a olhos também puros. "Ver com olhos livres". Para captar a essência sutil, é assim que deve ser. E corra o risco. Saiba corrê-lo. É necessário. O êxito também depende dele. Aqui, de nada temos certeza. Somos carruagem sem freio, solta no mundo sem saber porque, sem saber como, sem saber onde. Mas esse não é o ponto importante. O mais importante é que simplesmente sejamos!

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Algumas coisas nos servem como aviso. Aviso de que a vida é curta e a gente tem que aproveitá-la. Na verdade, de que temos o dever de aproveitá-la. Como se nada fosse mais justo com nós mesmos.
Com essa correria caótica da rotina algumas coisas passam despercebidas. Certas situações acontecem todos os dias, mas não nos esbarram. E por esse motivo, quando o fazem, é que levamos uma balançada. A sensação é que o chão está se abrindo. Estamos a ponto de cair no vale e desistir de tentarmos nos agarrar em alguma coisa. E o buraco é tão fundo, tão escuro...
Mas o susto é necessário. É com ele que voltamos a nós mesmos. A consciência aflora e nos recorda do que é tempo e fugacidade. E principalmente o que é ter chance. Chance de ter tido chance. Chance de ter quem nos cuide, quem nos goste, quem nos queira. Queira perto, queira junto, aqui ao lado. Não é preciso mais muita coisa. Não é preciso carros de luxo, roupas caras, acessórios modernos... Só é preciso estar. Estar quando desejar estar. E a vontade é que esteja. Faz bem. Sem preocupações em explicar. Até porque creio que não seria possível. Mas é que algumas coisas realmente servem como aviso... Um aviso sem dia pra chegar. Que simplesmente chega, assim.
Não há de ser nada. Há de ser somente mais um aviso e mais uma chance. Uma chance que quer dizer: aproveite! E não se esqueça que mais importante do que sorrir....

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Apêndice 1

Há tempos escrevi um texto falando sobre a minha geração. Talvez ainda não fosse hora. E pode ser que essa hora também não tenha chego. Tem-se a impressão de que somente podemos pôr nossas vidas na balança quando atingimos a madura terceira idade. Elimina-se qualquer mérito jovem a favor da experiência que a idade traz. Não nego de que quanto mais idade, mais chances de ter tido experiências. Isso é algo lógico. Mas por que tanta valorização do tempo já corrido? Por que só importante aquilo que tem o peso da idade e a cor do tempo? Os jovens parece que perderam o crédito. Por mais fenomenal a atitude que ele tenha tomado ou por mais bonito o pensamento que ele tenha trazido a si, os olhares mais velhos o condenam. Quando encontramos, hoje, um jovem dizendo-se comunista, organizando atos e afins, vê-se nos olhos dos juízes a expressão: "Ele é só mais um jovenzinho querendo mudar o mundo". Ao mesmo tempo em que vemos infinidades de medalhas sendo distribuídas a ex-combatentes ou àqueles que sofreram os castigos da ditadura. E a intenção não é de forma alguma desmerecê-los. A importância deles na história é incrível. Corretíssimo que devamos distribuir honras aos méritos. Mas por que não investirmos no que ainda dá pra ser? no que ainda está crescendo? Por que não apostarmos fichas nos jovens de hoje que têm a chance de serem os senhores com medalhas no futuro?
Não sei culpa de quem. E nem sei se há culpa. Parece que caminhamos para o conformismo, cada vez mais. "Mudar? Mudar o que? É assim desde que o mundo é mundo. Eu tenho minha casa, meu carro, meu emprego e minha família feliz. Tá ótimo!". E assim continua-se o ciclo... O ciclo onde nada muda, onde nada é feito, onde tudo permanece como está.
O último exemplo mais claro que tive disso foi dentro da faculdade. As festas juntam mais pessoas do que as reuniões do movimento estudantil. Pergunta-se qual é a próxima festa da semana e todos sabem. Mas questione sobre onde fica as tais reuniões... Dos males o pior. Ainda há quem saiba. Ainda há quem se interesse. Pode até ser que não da forma como gostaríamos. Pode até ser que ainda longe da utopia que buscamos. Mas ainda resta um fio...